quinta-feira, 4 de novembro de 2010

dezenove

UMA NOITE DAQUELAS

Samuel nem me deixou começar:
- Vocês brigaram de novo?
- Não, não foi isso. É que a gente se desencontrou ontem e eu queria esclarecer umas coisas.
- O Tom levou tudo quando a gente tava fora. Não deixou bilhete, nada. Não sei o que deu no cara.

Saí com o peito apertado, olhando para os lados para me convencer de que Tom não estava se escondendo em algum beco da vizinhança. Havia o bar na esquina onde a gente costumava passar um tempo. Entrei. O rapaz que servia as mesas perguntou de Tom. Ele não mora mais por aqui, respondi e acendi um cigarro. Pedi uma cerveja, caneta e papel e me esqueci dos problemas enquanto escrevia. Só fui embora depois de encher três folhas de palavras, quando não tinha mais vontade de beber e me sentia vazia. Sem dor, sem remorso, sem querer voltar atrás.

Mas Gabriel me ligou para me tirar do caminho. Gabriel! Meu primo lindo, apressadinho e sem juízo estava de volta. Uma rave? Você sabe que eu não curto... Ah, tá bom. Se me prometer que não vamos ficar até o fim.... Tive um dia esquisito.... Quem vai?... Você me deixa em casa depois?

Embarquei no carro e mais tarde na agitação frenética de braços, sons, pernas, luzes e cabeças. Era tanta gente quando chegamos, pensei em flutuar, achei que estava flutuando mesmo, e mexia os braços ao redor de Gabriel e olhava o céu estrelado e me sacudia toda e pulava fora do ritmo. Era assim que devia ser? As horas... Perdi as contas, perdi o relógio também, ou alguém me roubou. Ainda estava escuro, não tanto quando eu gostaria. Arrumei um jeito de arrastar Gabriel para a moita mais próxima porque não havia coisa melhor para fazer. Vamos, quero brincar. Só não tinha onde me apoiar, que idiotice. Ele tentou puxar a minissaia com sua falta de jeito habitual e me derrubou a alguns metros dos amigos. Meu lado exibicionista amou a ideia de estar sendo observada pelos rapazes que não paravam de dançar e rir. A não ser por um deles, o que lembrava meu irmão Chico. Ô, Chico, quanto tempo... Gabriel me puxava para cima dele, tudo rodava e era colorido e cintilante. Rolei na grama. Preciso ligar pro Chico! Não fomos além dos beijos e os amigos dele ficaram desapontados com a falta de ação.

Ele era o Mu. De Murilo. Mu de vaca, pensei e comecei a rir. Ele juntou a saia e me entregou, já que Gabriel estava mais preocupado em beber. Quanto mais eu o olhava mais notava as semelhanças e mais queria me aproximar. Me apresentei, Gabriel não tinha mais condições de falar decentemente ou ficar de pé. Ah, é você o amigo do Gabriel... Ele foi simpático, me ajudou a limpar a roupa e quis me levar no carro dele. Acho que entre nós ele era o mais lúcido, por isso aceitei.

Íamos os três no carro. Gabriel caído no banco de trás, desacordado. O sol começava a aparecer no horizonte e a batida eletrônica foi ficando fraca... até se misturar ao som da estrada e sumir aos poucos. Eu tinha fome, precisava de um banho, o corpo todo coçava e ainda conseguia me agitar dentro do carro. Mu colocou uma música alta e ficou batucando na direção enquanto dirigia. Não tive medo, me sentia anestesiada e feliz, mesmo que tudo aquilo fosse passageiro. Coloquei os pés no painel e vi que Mu me lembrava ainda mais Chico quando tirava a franja dos olhos a cada cinco minutos. De repente ele parou o carro e saiu sem me dizer o motivo. Fui atrás. Finalmente ele abriu a boca:

- Meu, vai ser um puta dia lindo!
- Acho que sim. Você tem um cigarro?
Ele mexeu nos bolsos, puxou os panos para fora.
- Sem chance. Acabou, meu.

Silêncio. Sentei no capô ao lado dele. Mu tirou de novo a franja dos olhos.

- Meu, o Gabi fala muito de você.
- Fala o quê?
- Que você canta, toca violão e piano, que tem banda.
- Ah, é? E o que mais?
- Ele jura que vocês ainda vão casar.
- Nós? Ah, essa é ótima. Ele é meu primo!
- E daí?
- Não sei. Nunca pensei nisso. O Gabriel é louco. Eu amo ele, mas ele é louco demais.
- Mas vocês dois já...
- Já. Ele falou disso também?
- Um pouco só.

Ficamos novamente em silêncio por mais algum tempo, olhando para o lado. Ele colocou a mão sobre a minha.

- Eu gostei de você.
- Também gostei de você.
- Se você não fosse do Gabi eu ia querer você pra mim. Você é diferente.
- Eu não sou dele! Não sou de ninguém.

Pensei em Chico, não tinha como não pensar. Eles eram muito parecidos. Mas Chico não falaria assim, fiquei curiosa para ver que rumo tomaria aquela conversa. Mu me surpreendeu ao sacar uma arma da cintura e me enfiar o cano no ouvido. Puta que pariu, o que é isso?! O medo era tanto que comecei a rir. O que é que ele quer comigo?

- Então tira a calcinha que eu quero te comer nesse capô.
- Ei, espera.
- Tira logo que eu tô mandando!

Com a pressão firme do cano, agora no pescoço, o riso sumiu. Tirei a calcinha como ele mandou, tremendo inteira. Fiquei com ela embolada nas mãos esperando a próxima ordem. Estávamos numa estrada secundária e as chances de sair correndo e escapar eram mínimas.

- Joga no mato.

Obedeci. Olhei para dentro do carro e vi Gabriel dormindo com um sorriso no canto dos lábios. Seria o fim se eu fizesse alguma bobagem. Agora ele vai me matar, eu sei. Vai me colocar no carro com Gabriel e nos queimar vivos. Que merda de amigo do Gabriel é esse? O cano da arma subiu pela coxa, jurei que não ia chorar até o fim. Ele parou entre as pernas, fez pressão para que eu o sentisse, depois afrouxou a mão. Meu coração sentia urgência. Que aconteça logo então. Ansiava pelo fim da agonia. Mu? Desabou no capô.

- Fala sério que você acreditou...
- Seu idiota! O que é que você tem na cabeça?

Mais aliviada do que com raiva. Quase ri.

- Mas eu não menti quando disse que gostei de você.
- Não chega perto!

Charme, puro charme.

- Nem quando disse que queria te comer em cima do capô...
- Sai fora!

Tentação dos infernos! Tinha que ser tão parecido com Chico???

- Hoje vai fazer um puta dia lindo – repetiu e me beijou a bochecha com bafo de cerveja azeda. Revidei com um tapa, ele me beijou outra vez, dessa vez na boca. Em vão tentei empurrá-lo, ele não saiu do lugar.

- Vai ser aqui mesmo ou você quer procurar um matinho?
- Para!
- Agora você não tem mais calcinha pra te proteger.
- Eu posso me proteger de outro jeito.
- Duvido.
- Então tenta.
- Vou te roubar do Gabi.

Como Mu havia sugerido, o dia estava lindo. E eu não estava pronta para resistir, então me abriguei do sol nele e me servi de seu corpo. E me ondulei sobre o metal quente e pensei que estava tudo bem ele se parecer com Chico. O dia ia continuar lindo com nossos corpos expostos e todo aquele desejo despertado por brincadeira, pelo sol, porque tinha que ser.

7 comentários:

Rodrigo de Assis Passos disse...

ótimo texto!

Luna Sanchez disse...

Nina danaaaaaaaaadaaaaaaa!!!

Ah, eu quero esse livro, eu quero, eu quero, eu queeeeeroooooooooo!!!

\o/

Não gostei do Mu (de vaca), não gostei mesmo. Dos que ela já pegou esse foi, acho, o único que não gostei até agora.

Beijocas, Li!

ℓυηα

Alline disse...

Rodrigo:
Brigada!!!
Na próxima quinta tem mais uma parte da história. Apareça. ;)

----------

Luna:
Essa guria se mete em cada uma, né? Pelo menos a arma ficou de fora no final... [suspiro aliviado]

O Mu fez uma brincadeira que não se faz. Já pensou se ela sofre do coração? Oo
hehehe
Mas ele não é de todo ruim, porque no começo da história foi ele que recolheu a saia dela e quis vê-la composta novamente. E não achou graça quando ela estava rolando no chão com o Gabriel. E ainda deu carona! Mas fez essa bobagem... esses meninos, esses meninos... o que eu faço com eles?

Acho que a Dai não gosta é do Bernardo. Mas o queridinho de todas é o Tom, acho que ele é o preferido.

É muito homem pruma mulher só, fala sério. rsrs

Um beijo, Lindona!
E de quebra um divino fim de semana também =D

Cayo Candido disse...

Bem escrito! Daqueles que a gente começa e quer chegar até o fim!

Beijos e se cuide!

Luna Sanchez disse...

Li,

Também prefiro o Tom, sem dúvidas, mas o problema dos garotos é exatamente esse : são "garotos"! Pena que o cara mais velho era um chato, um chiclete, né? Minha experiência (cof-cof) diz que ele é uma exceção, viu?

* Essa coisa da arma ter ficado "de fora" foi ótima! Ehehehehe

Beijoconas!

ℓυηα

Alline disse...

Cayo:
Vamos ver se eu consigo dar um fim digno a essa história...

Beeeijo, brigada pela gentileza do comentário. =)

Alline disse...

Luna,
Às vezes penso que o Tom nunca vai passar de amigo, porque o carinho é muito maior que o tesão. Pra Nina, toda cheia de amor pra dar, tem que ter tesão, e muito. rs
Estraguei muito o João pra ele poder voltar... também fez sacanagem com a Nina, e era ultrapossessivo.
Vamos ver o que vem por aí... Nem eu sei mais.

Ahhh, nem me toquei... da arma... rsrsr

Beeeeeeeeeeeijo!