sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

QUASE LÁ

Não fiz a gravação dos votos de ano-novo, como sempre prometo. A gente encontra as pessoas na rua e acaba sempre repetindo a mesma coisa, não é? Também não vou usar branco hoje, só pra contrariar. E acho que amanhã a gente vai acordar e não vai ter mágica que transforme tudo em novidade. Mas vou tentar fazer minha parte. Sem grandes planos, sem mistérios. Só consertar os erros de percurso, olhar pra frente, seguir, abraçar o mundo e ser feliz. Tá mais que bom. E o que eu quero pra mim, quero pra todos, viu? Saúde, vontade de ver graça na vida, nas pessoas, fé e pé na tábua. Lá vem outro. Pode pegar, o ano-novo também é seu.

Tim-tim!!!


quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

vinte e sete

VOYEUR

Chico só me beijou, era tudo que eu podia contar. E a história foi encerrada ali depois que saímos da água atormentados e silenciosos e nos vestimos. Cada um dormiu em sua cama e não se falou mais no assunto. Na rodoviária tive vontade de beijá-lo como antes, ele me segurou e se conteve, porque eu vi em seus olhos o mesmo desejo que pairou nos olhos do outro que também era ele.

Dissemos quase nada e cada um foi para seu lado. Ele voltou para a padaria e eu para São Paulo, onde encontrei Karen tão excitada com o novo namorado que desconsiderei totalmente a possibilidade de confessar os pecados do fim de semana. Ela falou tanto dele que pensei que nem precisaria mais conhecê-lo. Ele era chef de um restaurante da família, era sexy e caseiro, se vestia bem, falava italiano e ia à Europa pelo menos uma vez por ano, também era ótimo na cama... enfim, era perfeito. Ah, ela quase se esqueceu de contar que tinha um irmão gêmeo que eu ia gostar de conhecer.

- Tem uma boquinha... humm... quase igual à do Fred.
- Frederico? Esse é o teu?
- É. A gente já se conhecia há um bom tempo, mas ele estava ocupado, entende? Quase noivo! Agora que deu brecha ele me ligou e pronto.
- Espera aí, você lembra que desastre que foi aquele encontro com teu amigo advogado?
- Esse é diferente, Nina. Você vai ver. Ele tem um bar ali na...
- Tá. E quando vai ser isso? Quando vou conhecer essa peça rara?

Karen que não era de perder tempo conseguiu armar para a noite seguinte. Fez questão de escolher meu vestido, me pintou e me carregou até o apartamento que os irmãos dividiam. Eu estava curiosa, mas queria mais era me livrar dos pensamentos em Chico.

O novo namorado dela nos recebeu com um sorriso aberto. Aparentemente era tudo aquilo que ela tinha dito e ainda educado e gentil. Ótimo para Karen. Olhei quando se beijaram, era uma bela visão os dois juntos. Ele sutil, mas interessado. Ela voraz, oferecendo a língua. Ele segurando-a pela cintura como se fosse só sua. Ela correspondendo com olhares lânguidos. Se não estivesse ali eles já teriam arrancado a roupa. Por que eu vim mesmo? Ah, o irmão.

O irmão não estava, ia se atrasar. Ponto pra mim.
- Então acho melhor eu ir embora, né?
Tentando escapar de mais uma situação embaraçosa.
- Não, não faz isso. Ele ligou avisando que vai resolver uns problemas com fornecedores no bar e vem pra casa em seguida.
- Então tá.

Ansiosa, perguntei se podia fumar na varanda. De lá fiquei observando os dois. Não sei se ele tinha sido apenas educado ao justificar a ausência do outro, mas era claro que eles gostariam de ficar sozinhos. Karen não se importaria se eu a visse nua sobre ele, aposto que faria de tudo para que isso acontecesse. Via como ela o cercava com abraços e olhares, como o seduzia com as pernas cruzadas e o riso fácil. Mas ele resistia, ainda olhava para a varanda, para mim.

Eu tentava me esconder na parte mais escura para que ele se esquecesse da minha presença e aproveitasse o momento. Vai, Karen, faz alguma coisa!

Ela era uma bela mulher, eu invejava sua segurança e feminilidade diante de um homem. Com Fred não seria diferente. Talvez ele não quisesse uma terceira pessoa presente, mas ela daria um jeito. Ela deu um jeito. Usando o corpo para pressioná-lo contra o sofá, colocou o joelho entre as pernas dele e foi se chegando, beijou-o atrás da orelha, no pescoço, nas bochechas e por fim na boca. Percebi que ele se entregou ao abrir os braços e deixar que ela invadisse seu peito com carícias que o fizeram suspirar. Gostaria de tentar isso, mas com quem? Esse irmão não chegava nunca e a essas alturas nem queria mais que viesse, ia atrapalhar o andamento de cena que acontecia diante de meus olhos.

Eu mesma teria corrido para ajudá-lo a se desvencilhar da camisa, se Karen não tivesse feito isso sozinha e com habilidade de quem é acostumada a tirar a roupa de um homem todas as noites. Mas sem que eu esperasse ela o levou dali e passei apenas a ouvir ruídos abafados vindos do corredor. Claro, fui atrás, não poderia deixar de participar, nem que fosse de longe, como espectadora.

A porta do quarto entreaberta. De propósito? Havia uma fresta por onde eu podia ver Karen de pernas para cima na beira da cama, sendo possuída pelo chef sexy e agora selvagem. Ele estava de costas, então eu só conseguia ver como seus músculos se contraíam no esforço da penetração, e como a cada estocada Karen também jogava o corpo para trás, e ele repetia o movimento. Era uma espécie de dança à qual eu assistia com um prazer que me umedecia e me fazia ter vontade de perder a cabeça.

Apertei meu sexo entre as pernas, passei a mão para sentir que era real também o que se passava comigo. Por que Karen quis que eu visse? Para me excitar? Era um convite velado? Ele concordaria? Eu tive que enfiar a mão dentro da calcinha quando ele a colocou de quatro, fui obrigada a me masturbar escorada no batente da porta enquanto os dois gemiam e balançavam a cama.

- Você sabia que é muito feio espiar os outros?

Susto! A voz que sussurrou em meu ouvido me fez recolher a mão sem olhar para trás. Quase morri de vergonha, mas não tirei os olhos de Karen e Fred. Não tinha como me desviar deles, porque a dança estava quase no fim. Os movimentos eram frenéticos e não dei importância à voz, que se calou. Era ele, o irmão ausente! Não olhei, não o vi. Não era igual ao outro? Ele me enlaçou pela cintura, me trouxe ao encontro de seu peito e presenciou comigo o gozo de seu irmão com minha prima como se fosse a coisa mais normal do mundo.

E depois? Jantamos juntos, os quatro. Civilizadamente.


segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

MAIS UM

Estou na academia perguntando alguma coisa ao instrutor, quando um antigo colega se aproxima. É um médico - gastro - e tem lá seus setenta e tantos. Sorrio, como sempre faço quando ele passa, afinal ele sempre me cumprimenta. Assim sendo, me sobrou o comentário dele para o instrutor:
- Ela não é a mais bonita da academia, mas com certeza é a mais simpática.
Não sabia se ficava lisonjeada pelo "simpática" ou aborrecida pelo "não é a mais bonita". Daí sorri, todos sorriram e por aí ficou.

Passada a surpresa, analiso e concluo que isso é interessante. Talvez até melhor do que "engraçada", como o instrutor já me chamou, ou "figura" e "louca", como outros me elegeram. "Simpática" é legal, vai.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

vinte e seis

REDENÇÃO

Chico estava na padaria com seu Érico, mas deixou café pronto na térmica. Fui atrás dele arrastando o chinelo. Vi que atendia uma senhora no caixa. Esperei ele contar o troco e ser gentil com a mulher. Ele me olhou com culpa antes de vir me abraçar e dizer de novo que sentia muito.

- Faz favor de me dar parabéns, Chico.

- O que tu vai fazer hoje?

- Quero ir à praia. Vamos? Não dá pra ficar trancado aqui num dia como esse.

- Não tem ninguém pra ficar no caixa. Pode ser mais tarde?

- Sem problema. Me empresta o fusca? Dou umas voltas por aí e mais tarde venho pegar você pra gente nadar. Você vai mesmo, né?

- Vou.

E ainda tirou cinquenta reais do caixa para a gasolina. O que deu no Chico hoje? Estava arrependido pelo tapa na cara, era isso, só podia. Quando vim buscá-lo no fim do dia, não estava mais ansiosa, tinha calor, sede, vontade de nadar e chupar picolé. Ele usava uma bermuda velha e estava suado.

- Passou protetor?

Não tinha quase ninguém na praia. Passava das oito. Estendi a toalha para ele e fiquei de pé olhando o mar. O papel dizia que eu tinha nascido perto da meia-noite, então ainda havia tempo.

- Deita aqui comigo.

- Tô ouvindo direito?

- Deixa de besteira, menina. O sol tá se pondo. Deita aqui pra ver.

Eu não queria mais, mas deitei. Chico pegou minha mão e segurou forte. Nos olhamos, olhamos o sol fraco ir descendo no horizonte até se esconder atrás das nuvens. Voltamos a nos encarar.

- Eu quero ser bom pra ti, te proteger. Mas você me assusta com essas ideias malucas.

- Não são malucas, você é que não me entende. Se não fosse essa situação você ia me querer?

- Isso não tem nada a ver.

- Tem, sim. E você não tem coragem de admitir que me quer como eu te quero. Você iria embora comigo prum lugar onde ninguém conhecesse a gente? Eu iria.

- Tá vendo como você é?

- É como eu vejo as coisas, só isso. Quero que você me ame, Chico.

- Eu não posso... não do jeito que tu quer.

- Como você sabe?

- Tu é minha irmã, porra!

- Eu não tô falando só de sexo.

Ele calou. Se achava que eu iria pular sobre sua barriga e implorar estava enganado. Eu me sentia quieta e pensativa. Meus sentimentos por ele continuavam ali, em algum canto de mim, mas aquilo era tão doído e precioso que depois de ontem eu preferia não tocá-lo mais. Que ficasse tudo como estava, eu deitada ao lado de um homem lindo e desejado, mas inalcançável. E inseguro. Já não tinha esperança, só desejava, ainda desejava, o peito fervia, as mãos formigavam, a boca tremia, eu silenciava diante de todas as possibilidades que se desfaziam, como as ondas que batiam na praia a alguns metros de nós.

Eu era a louca, a perdida da família, e não me importava. Fugiria, deixaria tudo para trás se ele estivesse disposto a arriscar. Se. Chico segurava minha mão, só isso. Nunca passaria disso.

- Vou pra água.

- Quer que eu vá?

- Você que sabe.

Tirei a roupa sem olhá-lo e caminhei até a água sem saber se me seguiria. As ondas que me lambiam as pernas foram aos poucos me cobrindo e de repente me vi desaparecendo para ele. Mergulhei nas sombras, fui o mais fundo que consegui e aproveitei esse momento para não pensar, não ser nada, não estar em busca de coisa alguma. Ali me movimentava livremente, abrindo e fechando os braços, as pernas e impulsionando o corpo para a frente sem dificuldade, com toda aquela água ao redor. O mar me possuía, ia e vinha por todas as fendas do meu corpo, me lavava de qualquer pecado que estivesse desejosa de cometer. Estava tão distraída pelas ondulações do mar que não senti Chico se aproximando. Ele era outro, o outro que me queria. Esse estranho que o dominava me puxou debaixo d’água para que eu o percebesse e me envolveu com mãos escorregadias que deslizavam querendo me conhecer de todas as formas, me seguravam e soltavam. Nadei para longe, ele me seguiu e me segurou pela cintura, mas escapei com a ajuda da água. Chico, ou aquele que tomava conta dele, veio e me tomou nos braços. Seus olhos brilhavam de desejo, era só o que eu conseguia vislumbrar na escuridão. E era de uma intensidade que me feria e eu me debati até ele me acalmar com um beijo. Parei de lutar quando os lábios que me chamavam de irmã tentaram roubar o sal da minha pele. Jamais conseguiriam por completo, mas eu deixei que tentasse. Era meu presente de aniversário.

sábado, 18 de dezembro de 2010

SE BEBER, NÃO PEÇA CACHORRO-QUENTE

É o seguinte, explico: eu ganhei uma bendita garrafa de espumante na última sexta-feira. Muito bem-vinda, não vou reclamar. Quem sou eu pra reclamar de um brinde tão delicinha? Então... Hoje namorado estava aqui e resolvemos comer cachorro-quente, nem sei por quê. E eu quis porque quis abrir o espumante primeiro. Namorado fez as honras da casa, e bebi dois ou três goles. Pra quê? Já fiquei outra. Eu? Sim. É que não bebo com frequência, e quando bebo fico alegre, sorridente e muito mais. E foi desse jeito que namorado pediu pra eu ligar pro disque-cachorro. Ai, eu? Lá fui. Pedi o meu sem palha, sem queijo ralado, sem vinagrete, sem maionese, mostarda e ketchup. Pedi praticamente um cachorro magro, né? O do namorado só sem os últimos quatro ingredientes. Tá, mas o moço do outro lado da linha ficou confuso com tantas exceções num mesmo lanche e me pediu pra repetir. Vixe, deu um branco total radiante. Fiquei muda, assim... E comecei a rir sem motivo, namorado riu tanto que saiu da sala. Eu ri mais, com vergonha de rir, mas sem conseguir parar. Se fosse eu a atendente tinha desligado na cara da descarada que ria. Me controlei a tempo para fornecer o endereço correto. Jesus, Maria, José, que esforço pra não rir! O cara pediu por último meu nome, ele também riu! Ainda bem. E falou que não ia esquecer meu nome. Isso é bom ou é ruim? O resultado é que meu cachorro veio com palha. Não foi bem assim que pedi, mas como ia abrir a boca pra dizer alguma coisa? Tudo bem, fica como está. E o jantar foi digno, com espumante voltando pra ficar à mesa, acompanhado do esperado cachorrão. Não é a combinação mais bizarra e maravilhosa de fim de ano?

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

vinte e cinco

E QUANTO MAIS EU DESEJO

Chico estava de costas, trabalhando a massa na cozinha e não me viu entrar. Abracei-o por trás, agarrei-me ao corpo, ao cheiro, às saudades que só eu conhecia. Ele levou um susto e me abraçou timidamente, era o jeito dele. Não ficamos muito tempo, mas foi o bastante para eu senti-lo perto de mim de novo.

- Achei que você vinha mais tarde. Vou fazer um bolo. O pai vai trazer salgadinhos mais tarde.
- Vim te ver, não vim comer, seu bobo.

Ele se afastou e limpou as mãos:

- Tô te sujando com a farinha. Como estão as coisas por lá?
- Tudo certo. A Karen sempre pergunta de você. Ela só não veio porque tem que terminar umas roupas.

Cheguei perto de novo.

- Ela está bem?

Eles quase tinham namorado uma vez, mas Chico era muito pacato para os padrões dela.

- Acho que sim. Por que você não vai visitar a gente uma hora dessas?
- Pode ser. Eu vejo com o pai uma folga.

Passei o dedo na massa. Chico ficava bravo quando eu fazia isso, mas nunca liguei.

- Nina!
- O que é, Chico?
- Não faz isso, não.

Sentei na pia, ao lado dele e fiquei vendo-o trabalhar. Chico não era complicado, nem um pouco. Era assim que eu gostava dele, sem subterfúgios.

- Tem uma bebida aí?
- Tem um vinho aberto no balcão da sala. É do pai, mas pode pegar. Não vai sair com teus amigos?
- Hoje não. Quero ficar com você. Me conta o que você tem feito além de cuidar da padaria.

Fui pegar o vinho. Bebemos na caneca dele, a amarela. O bolo foi para o forno. Só depois ele contou, meio sem querer, que estava saindo com a filha do seu Adão, vizinho da frente. Tive vontade de furar os olhos dela, mas bebi um grande gole e me ofereci para lavar a louça. Chico não me deixou fazer nada, queria que eu descansasse.

Meia garrafa depois estávamos tagarelando e rindo enquanto o forno esquentava a cozinha e o bolo não ficava pronto. Seu Érico chegou com um pacote de empadinhas para mim, me beijou a cabeça. Reclamou que eu não ligava nunca e foi dormir. Ele também tinha bebido.

Chico tirou o bolo do forno com cuidado e enfeitou-o com chocolate e morangos. Só pra mim!
- Vem, vamos dormir.
- Na minha cama ou na sua?
- Não começa, Nina.
- Vamos conversar, não tô com sono.
- Tá bebinha, né?
- Pouquinho. Você também tá diferente, mais alegre.
- Me deixa quieto, tenho que acordar cedo amanhã.
- Ah, até no dia do meu aniversário?
- Não é feriado.
- Mas devia.

Ele seguiu para o quarto, fui atrás antes que fechasse a porta na minha cara e pulei na cama.

- Sai, Nina. Olha como fica apertado.
- Ai, Chico, você tá muito chato. Mas não vou achar ruim, porque você bebeu.
- Tá, fica aí e não me incomoda.

A cada tentativa de aproximação, Chico se encolhia mais. Meu irmão realmente não queria saber de brincadeira. Depois de me acariciar o rosto caiu no sono assim de repente. Coitadinho, estava cansado mesmo. E eu, o que eu faço? Gostaria de me aninhar ao peito dele e adormecer docemente, mas Chico me agitava por dentro, e eu tinha bebido. Precisava me esforçar. Fechei os olhos, pensei na música que ele cantava para mim, pensei em ir à praia se desse sol, pensei em levantar e lamber a cobertura do bolo, e talvez comer um pedaço com café. Apaguei a luz, estava tudo tão silencioso que me deu vontade de cantar. Eu poderia dormir, se quisesse. Eu quero, eu vou ficar quietinha e dormir aqui com o Chico. Os olhos pesaram, e dessa vez achei que daria certo. Eu ia conseguir permanecer inerte, silenciosa, obediente, ia deixá-lo em paz. Ia deixá-lo... mas um carinho entre irmãos não seria nada de mais.

Toquei sua boca bem de leve com a ponta dos dedos, ele não se mexeu. Tinha medo de que a porta se abrisse e seu Érico viesse com a cinta na mão, mas não parei, usando a desculpa de que tinha bebido e não tinha mais freios. Encostei a língua, forcei um pouco, me afastei para ter certeza de que ele dormia. Ele dormia, a respiração longa e baixa no meu nariz. Levantei a camiseta e levei meu peito até o peito dele, meu mamilo enrijeceu, levei até sua boca. Não, eu não tinha ficado louca, nem um pouco, queria experimentar a proximidade que ele evitava. Ele fechou os lábios ao redor do bico, senti a língua molhar rapidamente a pele, depois se recolher. Susto. Baixei a camiseta e me virei, apavorada com o desejo de ir adiante apesar do medo de Chico acordar. Só impressão, porque ele continuou imóvel. Eu não aguentei, eu não pude, eu esqueci de quem eu era, dos laços, do que havia além do quarto. Eu beijei, confesso que beijei meu irmão! E ele correspondeu, no início, com um beijo terno. E eu me aproveitei desse entorpecimento para tirar a minha roupa, a roupa dele, e deitar sobre seu corpo e ali ficar, esperando a fusão, a mistura, o fim da distância e das proibições.

Mas Chico acordou e me bateu, me jogou contra a parede. Ser recusada por ele daquele jeito doeu tanto que me recolhi na beira da cama e chorei.

- Por que toda vez você faz isso?
- Porque eu amo você... tanto.
- Isso não é certo, será que você não vê? Não dá pra ser assim, não pode ser assim.
- Eu sei.
- Eu não queria bater em você.
- Mas bateu.
- Quero que você fique bem, só isso.
- Tenho medo de não ficar bem sem você.
- Vai ficar.

Outra vez Chico me consolou. Vestiu minha roupa e me botou na cama. A dor que eu sentia se desfez com os carinhos dele, e não insisti para ele ficar. Ele cantou para mim, e eu parei de pedir e querer, eu apenas dormi.




terça-feira, 14 de dezembro de 2010

OPERAÇÃO RESGATE

Vou saindo com o namorado. Ele pede para dar uma chegada no banheiro antes, eu digo que tudo bem. Mas ele demora. Penso que deve ter seus motivos e sossego. Dali a pouco ouço meu nome no corredor. O-oh. Faltou papel? Vou correndo salvá-lo do mico, mas ele não abre a porta. Assim não é possível, querido, o rolo não vai passar pelo buraco embaixo da porta. Do outro lado, tão perto, tão longe, ele pede que traga suas ferramentas, e fico sabendo que a chave quebrou na fechadura. O-oh! Faço o que posso, mas confesso que meu lado McGyver não funciona muito bem sob pressão extrema. Tudo que consigo é tirar os parafusos, com medo de levar junto alguma lasca do verniz da porta. Não dá. Então chamo a mãe dele, que vem mais que depressa, pega o alicate e manda ver. Mexe pra lá, torce pra cá, vira, gira, roda e avisa: não tem jeito. A parte quebrada não sai do lugar. Enquanto ela desce pra tentar passar o alicate pelo basculante, eu faço a última tentativa dos desesperados - coloco a chave de fenda numa pequena trava à esquerda, empurro um pouco para a direita e a porta se abre... a porta se abre! Sem suor nem lágrimas, sem fazer muita força, só com o jeitinho da namorada. Ah, essa namorada faz coisa para ter sempre o namorado por perto. ;)

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

vinte e quatro

HÁ NÃO MUITO TEMPO ATRÁS


Aceitei o convite de Chico para passar meu aniversário lá, estava com saudades. Quando mamãe nos deixou foi ele quem cuidou de mim. Eu tinha dez anos e não entendia muita coisa, mas prestei atenção quando ela falou em seguir carreira na Europa, pois ali ninguém se interessaria por uma cantora lírica. Mamãe era sonhadora, linda e ambiciosa. Tanto que não suportou a vida atrás do balcão.

Lembro aquele dia. Seu Érico estava na padaria, Chico me ajudava com a louça do café e ela se despediu com um beijo na testa como se fosse voltar para o almoço. Esperamos que ela viesse jantar ou chegasse de repente, esperamos até não aguentar mais. Seu Érico foi o primeiro a se convencer de que ela não botaria mais os pés em casa e se afundou no trabalho, disse que a padaria não podia parar. Foi o jeito que ele encontrou de sobreviver ao caos que se formava ao redor. E nós?

Chico era meu irmão e meu herói, meu tudo. Quando fiz onze anos me deu uma prancha de surf. Aos doze comprou meus primeiros absorventes e me ensinou a dirigir. Criei peito, espichei, os pelos foram aparecendo aqui e ali, meu corpo passava por revoluções contínuas e ele falava para eu colocar sutiã e eu me negava, aquilo apertava demais. Daí Chico se afastou. Por que não podíamos mais dormir na mesma cama? Nada de ficar de calcinha pela casa e me agarrar em seu pescoço nem fazer xixi de porta aberta. Eu era toda ira, teimava, ficava emburrada e xingava, e assim cheguei aos quinze anos, rebelde e previsível.

Inventei de ter medo de dormir sozinha para ele me deixar entrar em seu quarto de madrugada. Chico, deixa eu ficar... tô com medo... Ele me dava as costas até adormecer. Quando abria os olhos para levantar eu estava na sua frente, podia beijá-lo se quisesse. O foco só mudou um pouco aos dezesseis, quando arrumei um professor de violão. Beto. Ele estava sempre com hálito de bala de hortelã e os dedos cheios de calos, dedos que faziam as notas soarem trêmulas, muito longas, quando encostavam em mim. Ele não tirava o olho do que a camiseta escondia, mas não se atrevia a chegar em mim.

Eu tive que levantar a blusa para ele largar o violão no dia em que senti que não conseguia mais me concentrar apenas na música. Beto pareceu confuso, a mão permaneceu imóvel por alguns segundos, não mais que isso. Ele olhou com admiração para os dois bicos rosados à sua frente, tocou-os devagar. Meu coração acelerado quase parou naquela hora, o peito subia e descia rapidamente com o contato. Achei que aconteceria, ele me beijou e foi direto: senti a mão na bunda, nas costas, na barriga, em tudo ao mesmo tempo. Senti um assanhamento por dentro, quis abandonar todo o juízo de uma vez só. Mas Beto retirou a mão do aconchego entre minhas coxas assim que ouviu a voz de Chico no portão. Foi embora levando o violão e meu desejo junto.

Seria com Beto, estava resolvido.

Chico desconfiou da minha agitação depois disso, mas não abri a boca, nem uma palavra. Ele fez batatas fritas para ver se arrancava alguma informação, e eu decidi que não ia jantar. Mais perguntas. Ah, tenho que estudar. Ele não se convenceu.

Fui atrás do que queria.

Encontro às seis, lá em casa. Chico já teria ido para a aula e seu Érico estaria tirando uma fornada. Beto foi pontual, estava de cabelo molhado, o gosto forte de hortelã na boca. Fomos para o quarto, eu na frente puxando-o pelo braço. Enquanto tirava a roupa, avisei:
- Depois disso nós não vamos namorar, OK?
Sem entender, Beto deu de ombros. Eu sentia coisas diferentes com ele, mas me achava jovem demais para namorar. Pensei que seria justo que ele soubesse antes.

Deitamos na minha cama. Para aquele dia, lençóis limpos. Estávamos muito próximos, dois corpos estranhos. Ele estendeu a mão até meus quadris e me puxou. Ainda não. Beto apenas me beijou, beijo de hortelã que eu sempre lembraria. Deitou sobre mim, se mexeu um pouco, ajeitando o corpo no meu. Não era nada parecido com os encontros apressados no cinema ou nos corredores ou qualquer outra coisa que tivesse feito pelos cantos com algum vizinho. Era um pau de verdade me cutucando o umbigo!

Suspirei quando ele usou o dedo para ver se eu estava molhada. Não me atrevia a dizer uma palavra, ele devia saber o que fazia, era bem mais velho que eu, e isso me deixava tranquila e seduzida. Só não podia mentir. Doeu quando ele me penetrou. Uma dor normal, como quando caí de bicicleta. Mas esperei e passou, e veio uma sensação de eletricidade, de choque que me percorreu inteira. É só isso? Levantei para pegar um refrigerante, bebemos. Então deitei e fizemos de novo, e dessa vez ele não foi tão gentil, mas eu gostei mais de ficar de bruços enquanto ele me tateava antes da penetração. Eu estava tão feliz que nem me preocupei em descobrir se havia gozado ou sangrado, se aquela ebulição interna era o que deveria acontecer.

Quando pensei em levantar para pegar outro refrigerante, Chico entrou em casa. Tinha que chegar mais cedo! Beto saiu pela janela com a roupa na mão e me deixou na cama. Enfiei o vestido pela cabeça antes que Chico entrasse e saí. Fechei a porta.

Sob o olhar mortal de Chico eu espremi uma coxa contra a outra, para que não notasse que estava sem calcinha e ainda excitada. Onde estava a calcinha? Pensava que poderia ter sido o pau dele em minhas mãos, e apertava mais as coxas. E apertava as mãos, suava. E ria de nervoso. Chico viu meu estado, não havia como voltar. Menti que Beto era meu namorado há algum tempo e jurei que não faria besteira. Por favor... Ele gritou comigo, usou palavras duras que me fizeram chorar e ter ódio dele. Em seguida me sentou em seu colo e disse que se preocupava comigo. Eu sem calcinha. Pediu para eu me cuidar, porque eu era muito nova e os rapazes se aproveitavam. Eu sem calcinha, e o contato com a coxa dele provocou sensações que eu não podia evitar. Ele sentia? Molhei a calça dele.

Beto sumiu como se nunca tivesse passado pelo bairro. Sem se despedir nem deixar bilhete, nada. Quando liguei, disseram que tinha ido estudar em Brasília. Mentira! Tinha o dedo de Chico nisso, e não havia mais nada a fazer. Voltei às aulas de piano e Chico parou de implicar com a ausência de sutiã e até me deixou curar, em sua cama, as dores de amor que achava que eu sentia.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A CEGUETA DE RAYBAN

Não dá pra ver daí de onde você está, mas sou míope, daquelas que já passaram dos quatro graus e são dependentes de um trocinho sobre o nariz ou grudado nos olhos. Assim sendo, faço da minha rotina um tal de tira óculos, bota lente, tira lente, bota óculos e por aí vai. Hoje, antes de sair do trabalho, devia ter posto as lentes, pois o sol saiu da toca no fim do dia. Nah! Pensei: Ah, tô indo pra casa, é muita mão de obra.
Quando estava seguindo a linha reta que me levaria até meu lar, doce lar, um homem de paletó passou por mim e falou alguma coisa. A mania de estar com foninho de ouvido a vida toda me impediu de saber o que foi dito de bom - ou não. Olhei de lado, ele também. Quem era? Ora, ora, não é que era meu oftalmologista?!
Tirei os óculos de sol, morrendo de vergonha:
- Desculpa, doutor Maurício, não enxerguei o senhor...
Ele riu e respondeu com bom humor:
- Então seu médico não está fazendo um bom trabalho.
Apontei os óculos de grau, pendurados na blusa:
- Tô sem lente e sem óculos, viu?
Ele só me desejou boas-festas e não ficou para ouvir minhas explicações sobre a pouca visão. Eu vim sem enxergar cem por cento e me dei por satisfeita de não ter tropeçado no caminho. A cegueta de Rayban. Oo

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

vinte e três

“AMO VOCÊ, MEU LINDA”

O que eu fui fazer? Além de posar na escola, estava sendo requisitada pelo gringo para sessões privadas em seu apartamento. Joguei a roupa sobre a mesa:
- E agora?
O gringo teimoso mais conhecido como Dieter me colocou na cama com seriedade. Primeiro espalhou meus cabelos sobre uma almofada, olhou, arrumou mais um pouco, depois dobrou minha perna esquerda, me abriu os braços. Me senti excitada nas mãos àsperas dele. Bem que a gente poderia... Tentei beijá-lo, ele me pôs na posição de morta na cama e pediu para eu não me mexer. Que tipo de homem se manteria impassível diante de uma mulher nua e disposta ao sexo? O gringo.

Ficamos muito tempo naquilo, eu sem achar graça de estar de olhos fechados enquanto ele me riscava no papel.
- Vai demorar, Diti?
Ele negou com a cabeça sem perder a concentração.
- Tá calor, eu não aguento...
A previsão era de vinte e sete graus, lá fora. Naquele cubículo deveria estar mais de trinta e nem a ausência de roupa ajudava muito. Eu suava atrás da orelha, embaixo do braço, suava entre as pernas porque imaginava o gringo largando o maldito pedaço de carvão e vindo por cima de mim, trazendo seu suor para se misturar ao meu.

Muito tempo se passou até ele dizer que estava bom e me carregar nas costas para o banheiro. Só entendi quando começou a me ensaboar a bunda com uma animação diferente.
- Não, aí não! Só se for com o dedo...
Ele fez pressão. Apesar da voz mansa, senti que ele vinha com tudo e fiquei na defensiva.
- Para, Diti!
Parecia tão simples quando lia nas revistas de Karen. “Peça ao parceiro para usar lubrificante e penetrá-la devagar. Relaxe.” Como se fosse possível. Ele veio de novo, me empurrou contra o azulejo, assim eu sufoco! O que eu faço? Ele dá dois de mim!!! Me mordeu a nuca... Seria maravilhoso se ficasse nas mordidas pelo corpo e depois me levasse para a cama e fizesse um papai-e-mamãe caprichado. Não, o gringo queria ultrapassar fronteiras. Eu talvez quisesse, mas não desse jeito, esmagada contra a parede. Aproveitei o corpo molhado para me livrar do abraço por trás e escorreguei para o chão.
- Deu, gringo.
Ele ainda resmungou em alemão, tinha mania de fazer isso porque sabia que eu não entendia e ele podia falar o que bem entendesse. Foda-se, gringo! Eu não vou ceder, entendeu?

A expressão de menino contrariado só se desfez quando peguei o barbeador descartável e coloquei em suas mãos. Prêmio de consolação. Seria minha segunda vez, a primeira com ele, mas não passava de uma tática para ver se ele tirava meu backstage da cabeça de uma vez por todas.

Saímos pingando do box. Sentei na privada, Dieter se ajoelhou. O sabonete veio molhado para o meu colo, escorregadio. Fiz espuma e espalhei sobre os pelos. Karen iria gostar de ver que eu finalmente cuidava da depilação... ele não entendeu meu riso solto, nem precisava. Com uma bola de espuma branca entre as coxas, pronto, foi só abrir bem as pernas e prestar atenção para ver se ele fazia direito.
- Cuidado, hein!

Os movimentos suaves e cautelosos como se estivesse fazendo a barba me assanharam. Se ousasse me mexer poderia acabar com um corte feio, me segurei. E ele nem me olhava mais na cara. Passou a lâmina em mim, depois passou a mão para ver se o trabalho estava bem-feito, me enlouquecendo. E alisou a pele branca sem pelos.
- Ai, isso é bom, não para, não.
Apertou-a entre os dedos. A pele, todas as dobras, meu botaõzinho... Assim eu me desmancho, gringo. Ele falava “boceta” daquele jeito engraçado que me fazia engasgar de tanto rir.
- Me leva daqui, Diti!

Na cama, dois dedos para me alegrar, depois três. E então a razão do temor se diluiu nesse contato. Parecia não haver mais espaço entre nós, e ele conseguia ir fundo ao meu encontro, e eu, leve e receptiva, o prendia. E soltava, mas não muito. E o gringo sorria, só ali, comigo. Gozou sorrindo, sem estardalhaço. E me fez feliz quando demorou a sair de mim para fumar um baseado na janela.

Desprovida de pentelhos e de vergonha. Foi assim a última vez com Dieter. Ao acordar ele fez as malas para ver a família e resolver algo sobre o visto. Estava saindo com os cabelos desgrenhados e grandes olheiras, corri para ele e fui abraçada, tão forte que doeu.
- Posso ajudar em alguma coisa?
Descemos juntos. Ele levava um envelope pardo nas mãos. Me levava pela mão cheio de mistério, de silêncio. Pela última vez a voz dele, meu rosto entre suas mãos, o beijo que eu não queria que tivesse fim, as palavras mal-pronunciadas na calçada:
- Amo você, meu linda. Tchau.

Voltei a viver, voltei para a escola, os pentelhos cresceram e coçaram, mas não tive mais notícias de Dieter, o meu gringo...



[Mais Nina aqui.]

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

da seção
UMA COISA É UMA COISA, OUTRA COISA É OUTRA COISA

Se a pessoa tem mau hálito, tudo bem, eu aguento na boa. Faço apneia, posso deixar de respirar por alguns segundos sem reclamar. Ou me afasto um pouco, viro de lado. Agora não consigo me controlar se vejo uma melecona querendo sair do nariz alheio. É mais forte que eu, entende?

Com discrição, aviso:
- Tem um objeto estranho no lado esquerdo [ou direito] do nariz.

O mundo não fica muito mais bonito quando o nariz vizinho está livre e desimpedido?