sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

QUASE LÁ

Não fiz a gravação dos votos de ano-novo, como sempre prometo. A gente encontra as pessoas na rua e acaba sempre repetindo a mesma coisa, não é? Também não vou usar branco hoje, só pra contrariar. E acho que amanhã a gente vai acordar e não vai ter mágica que transforme tudo em novidade. Mas vou tentar fazer minha parte. Sem grandes planos, sem mistérios. Só consertar os erros de percurso, olhar pra frente, seguir, abraçar o mundo e ser feliz. Tá mais que bom. E o que eu quero pra mim, quero pra todos, viu? Saúde, vontade de ver graça na vida, nas pessoas, fé e pé na tábua. Lá vem outro. Pode pegar, o ano-novo também é seu.

Tim-tim!!!


quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

vinte e sete

VOYEUR

Chico só me beijou, era tudo que eu podia contar. E a história foi encerrada ali depois que saímos da água atormentados e silenciosos e nos vestimos. Cada um dormiu em sua cama e não se falou mais no assunto. Na rodoviária tive vontade de beijá-lo como antes, ele me segurou e se conteve, porque eu vi em seus olhos o mesmo desejo que pairou nos olhos do outro que também era ele.

Dissemos quase nada e cada um foi para seu lado. Ele voltou para a padaria e eu para São Paulo, onde encontrei Karen tão excitada com o novo namorado que desconsiderei totalmente a possibilidade de confessar os pecados do fim de semana. Ela falou tanto dele que pensei que nem precisaria mais conhecê-lo. Ele era chef de um restaurante da família, era sexy e caseiro, se vestia bem, falava italiano e ia à Europa pelo menos uma vez por ano, também era ótimo na cama... enfim, era perfeito. Ah, ela quase se esqueceu de contar que tinha um irmão gêmeo que eu ia gostar de conhecer.

- Tem uma boquinha... humm... quase igual à do Fred.
- Frederico? Esse é o teu?
- É. A gente já se conhecia há um bom tempo, mas ele estava ocupado, entende? Quase noivo! Agora que deu brecha ele me ligou e pronto.
- Espera aí, você lembra que desastre que foi aquele encontro com teu amigo advogado?
- Esse é diferente, Nina. Você vai ver. Ele tem um bar ali na...
- Tá. E quando vai ser isso? Quando vou conhecer essa peça rara?

Karen que não era de perder tempo conseguiu armar para a noite seguinte. Fez questão de escolher meu vestido, me pintou e me carregou até o apartamento que os irmãos dividiam. Eu estava curiosa, mas queria mais era me livrar dos pensamentos em Chico.

O novo namorado dela nos recebeu com um sorriso aberto. Aparentemente era tudo aquilo que ela tinha dito e ainda educado e gentil. Ótimo para Karen. Olhei quando se beijaram, era uma bela visão os dois juntos. Ele sutil, mas interessado. Ela voraz, oferecendo a língua. Ele segurando-a pela cintura como se fosse só sua. Ela correspondendo com olhares lânguidos. Se não estivesse ali eles já teriam arrancado a roupa. Por que eu vim mesmo? Ah, o irmão.

O irmão não estava, ia se atrasar. Ponto pra mim.
- Então acho melhor eu ir embora, né?
Tentando escapar de mais uma situação embaraçosa.
- Não, não faz isso. Ele ligou avisando que vai resolver uns problemas com fornecedores no bar e vem pra casa em seguida.
- Então tá.

Ansiosa, perguntei se podia fumar na varanda. De lá fiquei observando os dois. Não sei se ele tinha sido apenas educado ao justificar a ausência do outro, mas era claro que eles gostariam de ficar sozinhos. Karen não se importaria se eu a visse nua sobre ele, aposto que faria de tudo para que isso acontecesse. Via como ela o cercava com abraços e olhares, como o seduzia com as pernas cruzadas e o riso fácil. Mas ele resistia, ainda olhava para a varanda, para mim.

Eu tentava me esconder na parte mais escura para que ele se esquecesse da minha presença e aproveitasse o momento. Vai, Karen, faz alguma coisa!

Ela era uma bela mulher, eu invejava sua segurança e feminilidade diante de um homem. Com Fred não seria diferente. Talvez ele não quisesse uma terceira pessoa presente, mas ela daria um jeito. Ela deu um jeito. Usando o corpo para pressioná-lo contra o sofá, colocou o joelho entre as pernas dele e foi se chegando, beijou-o atrás da orelha, no pescoço, nas bochechas e por fim na boca. Percebi que ele se entregou ao abrir os braços e deixar que ela invadisse seu peito com carícias que o fizeram suspirar. Gostaria de tentar isso, mas com quem? Esse irmão não chegava nunca e a essas alturas nem queria mais que viesse, ia atrapalhar o andamento de cena que acontecia diante de meus olhos.

Eu mesma teria corrido para ajudá-lo a se desvencilhar da camisa, se Karen não tivesse feito isso sozinha e com habilidade de quem é acostumada a tirar a roupa de um homem todas as noites. Mas sem que eu esperasse ela o levou dali e passei apenas a ouvir ruídos abafados vindos do corredor. Claro, fui atrás, não poderia deixar de participar, nem que fosse de longe, como espectadora.

A porta do quarto entreaberta. De propósito? Havia uma fresta por onde eu podia ver Karen de pernas para cima na beira da cama, sendo possuída pelo chef sexy e agora selvagem. Ele estava de costas, então eu só conseguia ver como seus músculos se contraíam no esforço da penetração, e como a cada estocada Karen também jogava o corpo para trás, e ele repetia o movimento. Era uma espécie de dança à qual eu assistia com um prazer que me umedecia e me fazia ter vontade de perder a cabeça.

Apertei meu sexo entre as pernas, passei a mão para sentir que era real também o que se passava comigo. Por que Karen quis que eu visse? Para me excitar? Era um convite velado? Ele concordaria? Eu tive que enfiar a mão dentro da calcinha quando ele a colocou de quatro, fui obrigada a me masturbar escorada no batente da porta enquanto os dois gemiam e balançavam a cama.

- Você sabia que é muito feio espiar os outros?

Susto! A voz que sussurrou em meu ouvido me fez recolher a mão sem olhar para trás. Quase morri de vergonha, mas não tirei os olhos de Karen e Fred. Não tinha como me desviar deles, porque a dança estava quase no fim. Os movimentos eram frenéticos e não dei importância à voz, que se calou. Era ele, o irmão ausente! Não olhei, não o vi. Não era igual ao outro? Ele me enlaçou pela cintura, me trouxe ao encontro de seu peito e presenciou comigo o gozo de seu irmão com minha prima como se fosse a coisa mais normal do mundo.

E depois? Jantamos juntos, os quatro. Civilizadamente.


segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

MAIS UM

Estou na academia perguntando alguma coisa ao instrutor, quando um antigo colega se aproxima. É um médico - gastro - e tem lá seus setenta e tantos. Sorrio, como sempre faço quando ele passa, afinal ele sempre me cumprimenta. Assim sendo, me sobrou o comentário dele para o instrutor:
- Ela não é a mais bonita da academia, mas com certeza é a mais simpática.
Não sabia se ficava lisonjeada pelo "simpática" ou aborrecida pelo "não é a mais bonita". Daí sorri, todos sorriram e por aí ficou.

Passada a surpresa, analiso e concluo que isso é interessante. Talvez até melhor do que "engraçada", como o instrutor já me chamou, ou "figura" e "louca", como outros me elegeram. "Simpática" é legal, vai.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

vinte e seis

REDENÇÃO

Chico estava na padaria com seu Érico, mas deixou café pronto na térmica. Fui atrás dele arrastando o chinelo. Vi que atendia uma senhora no caixa. Esperei ele contar o troco e ser gentil com a mulher. Ele me olhou com culpa antes de vir me abraçar e dizer de novo que sentia muito.

- Faz favor de me dar parabéns, Chico.

- O que tu vai fazer hoje?

- Quero ir à praia. Vamos? Não dá pra ficar trancado aqui num dia como esse.

- Não tem ninguém pra ficar no caixa. Pode ser mais tarde?

- Sem problema. Me empresta o fusca? Dou umas voltas por aí e mais tarde venho pegar você pra gente nadar. Você vai mesmo, né?

- Vou.

E ainda tirou cinquenta reais do caixa para a gasolina. O que deu no Chico hoje? Estava arrependido pelo tapa na cara, era isso, só podia. Quando vim buscá-lo no fim do dia, não estava mais ansiosa, tinha calor, sede, vontade de nadar e chupar picolé. Ele usava uma bermuda velha e estava suado.

- Passou protetor?

Não tinha quase ninguém na praia. Passava das oito. Estendi a toalha para ele e fiquei de pé olhando o mar. O papel dizia que eu tinha nascido perto da meia-noite, então ainda havia tempo.

- Deita aqui comigo.

- Tô ouvindo direito?

- Deixa de besteira, menina. O sol tá se pondo. Deita aqui pra ver.

Eu não queria mais, mas deitei. Chico pegou minha mão e segurou forte. Nos olhamos, olhamos o sol fraco ir descendo no horizonte até se esconder atrás das nuvens. Voltamos a nos encarar.

- Eu quero ser bom pra ti, te proteger. Mas você me assusta com essas ideias malucas.

- Não são malucas, você é que não me entende. Se não fosse essa situação você ia me querer?

- Isso não tem nada a ver.

- Tem, sim. E você não tem coragem de admitir que me quer como eu te quero. Você iria embora comigo prum lugar onde ninguém conhecesse a gente? Eu iria.

- Tá vendo como você é?

- É como eu vejo as coisas, só isso. Quero que você me ame, Chico.

- Eu não posso... não do jeito que tu quer.

- Como você sabe?

- Tu é minha irmã, porra!

- Eu não tô falando só de sexo.

Ele calou. Se achava que eu iria pular sobre sua barriga e implorar estava enganado. Eu me sentia quieta e pensativa. Meus sentimentos por ele continuavam ali, em algum canto de mim, mas aquilo era tão doído e precioso que depois de ontem eu preferia não tocá-lo mais. Que ficasse tudo como estava, eu deitada ao lado de um homem lindo e desejado, mas inalcançável. E inseguro. Já não tinha esperança, só desejava, ainda desejava, o peito fervia, as mãos formigavam, a boca tremia, eu silenciava diante de todas as possibilidades que se desfaziam, como as ondas que batiam na praia a alguns metros de nós.

Eu era a louca, a perdida da família, e não me importava. Fugiria, deixaria tudo para trás se ele estivesse disposto a arriscar. Se. Chico segurava minha mão, só isso. Nunca passaria disso.

- Vou pra água.

- Quer que eu vá?

- Você que sabe.

Tirei a roupa sem olhá-lo e caminhei até a água sem saber se me seguiria. As ondas que me lambiam as pernas foram aos poucos me cobrindo e de repente me vi desaparecendo para ele. Mergulhei nas sombras, fui o mais fundo que consegui e aproveitei esse momento para não pensar, não ser nada, não estar em busca de coisa alguma. Ali me movimentava livremente, abrindo e fechando os braços, as pernas e impulsionando o corpo para a frente sem dificuldade, com toda aquela água ao redor. O mar me possuía, ia e vinha por todas as fendas do meu corpo, me lavava de qualquer pecado que estivesse desejosa de cometer. Estava tão distraída pelas ondulações do mar que não senti Chico se aproximando. Ele era outro, o outro que me queria. Esse estranho que o dominava me puxou debaixo d’água para que eu o percebesse e me envolveu com mãos escorregadias que deslizavam querendo me conhecer de todas as formas, me seguravam e soltavam. Nadei para longe, ele me seguiu e me segurou pela cintura, mas escapei com a ajuda da água. Chico, ou aquele que tomava conta dele, veio e me tomou nos braços. Seus olhos brilhavam de desejo, era só o que eu conseguia vislumbrar na escuridão. E era de uma intensidade que me feria e eu me debati até ele me acalmar com um beijo. Parei de lutar quando os lábios que me chamavam de irmã tentaram roubar o sal da minha pele. Jamais conseguiriam por completo, mas eu deixei que tentasse. Era meu presente de aniversário.

sábado, 18 de dezembro de 2010

SE BEBER, NÃO PEÇA CACHORRO-QUENTE

É o seguinte, explico: eu ganhei uma bendita garrafa de espumante na última sexta-feira. Muito bem-vinda, não vou reclamar. Quem sou eu pra reclamar de um brinde tão delicinha? Então... Hoje namorado estava aqui e resolvemos comer cachorro-quente, nem sei por quê. E eu quis porque quis abrir o espumante primeiro. Namorado fez as honras da casa, e bebi dois ou três goles. Pra quê? Já fiquei outra. Eu? Sim. É que não bebo com frequência, e quando bebo fico alegre, sorridente e muito mais. E foi desse jeito que namorado pediu pra eu ligar pro disque-cachorro. Ai, eu? Lá fui. Pedi o meu sem palha, sem queijo ralado, sem vinagrete, sem maionese, mostarda e ketchup. Pedi praticamente um cachorro magro, né? O do namorado só sem os últimos quatro ingredientes. Tá, mas o moço do outro lado da linha ficou confuso com tantas exceções num mesmo lanche e me pediu pra repetir. Vixe, deu um branco total radiante. Fiquei muda, assim... E comecei a rir sem motivo, namorado riu tanto que saiu da sala. Eu ri mais, com vergonha de rir, mas sem conseguir parar. Se fosse eu a atendente tinha desligado na cara da descarada que ria. Me controlei a tempo para fornecer o endereço correto. Jesus, Maria, José, que esforço pra não rir! O cara pediu por último meu nome, ele também riu! Ainda bem. E falou que não ia esquecer meu nome. Isso é bom ou é ruim? O resultado é que meu cachorro veio com palha. Não foi bem assim que pedi, mas como ia abrir a boca pra dizer alguma coisa? Tudo bem, fica como está. E o jantar foi digno, com espumante voltando pra ficar à mesa, acompanhado do esperado cachorrão. Não é a combinação mais bizarra e maravilhosa de fim de ano?

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

vinte e cinco

E QUANTO MAIS EU DESEJO

Chico estava de costas, trabalhando a massa na cozinha e não me viu entrar. Abracei-o por trás, agarrei-me ao corpo, ao cheiro, às saudades que só eu conhecia. Ele levou um susto e me abraçou timidamente, era o jeito dele. Não ficamos muito tempo, mas foi o bastante para eu senti-lo perto de mim de novo.

- Achei que você vinha mais tarde. Vou fazer um bolo. O pai vai trazer salgadinhos mais tarde.
- Vim te ver, não vim comer, seu bobo.

Ele se afastou e limpou as mãos:

- Tô te sujando com a farinha. Como estão as coisas por lá?
- Tudo certo. A Karen sempre pergunta de você. Ela só não veio porque tem que terminar umas roupas.

Cheguei perto de novo.

- Ela está bem?

Eles quase tinham namorado uma vez, mas Chico era muito pacato para os padrões dela.

- Acho que sim. Por que você não vai visitar a gente uma hora dessas?
- Pode ser. Eu vejo com o pai uma folga.

Passei o dedo na massa. Chico ficava bravo quando eu fazia isso, mas nunca liguei.

- Nina!
- O que é, Chico?
- Não faz isso, não.

Sentei na pia, ao lado dele e fiquei vendo-o trabalhar. Chico não era complicado, nem um pouco. Era assim que eu gostava dele, sem subterfúgios.

- Tem uma bebida aí?
- Tem um vinho aberto no balcão da sala. É do pai, mas pode pegar. Não vai sair com teus amigos?
- Hoje não. Quero ficar com você. Me conta o que você tem feito além de cuidar da padaria.

Fui pegar o vinho. Bebemos na caneca dele, a amarela. O bolo foi para o forno. Só depois ele contou, meio sem querer, que estava saindo com a filha do seu Adão, vizinho da frente. Tive vontade de furar os olhos dela, mas bebi um grande gole e me ofereci para lavar a louça. Chico não me deixou fazer nada, queria que eu descansasse.

Meia garrafa depois estávamos tagarelando e rindo enquanto o forno esquentava a cozinha e o bolo não ficava pronto. Seu Érico chegou com um pacote de empadinhas para mim, me beijou a cabeça. Reclamou que eu não ligava nunca e foi dormir. Ele também tinha bebido.

Chico tirou o bolo do forno com cuidado e enfeitou-o com chocolate e morangos. Só pra mim!
- Vem, vamos dormir.
- Na minha cama ou na sua?
- Não começa, Nina.
- Vamos conversar, não tô com sono.
- Tá bebinha, né?
- Pouquinho. Você também tá diferente, mais alegre.
- Me deixa quieto, tenho que acordar cedo amanhã.
- Ah, até no dia do meu aniversário?
- Não é feriado.
- Mas devia.

Ele seguiu para o quarto, fui atrás antes que fechasse a porta na minha cara e pulei na cama.

- Sai, Nina. Olha como fica apertado.
- Ai, Chico, você tá muito chato. Mas não vou achar ruim, porque você bebeu.
- Tá, fica aí e não me incomoda.

A cada tentativa de aproximação, Chico se encolhia mais. Meu irmão realmente não queria saber de brincadeira. Depois de me acariciar o rosto caiu no sono assim de repente. Coitadinho, estava cansado mesmo. E eu, o que eu faço? Gostaria de me aninhar ao peito dele e adormecer docemente, mas Chico me agitava por dentro, e eu tinha bebido. Precisava me esforçar. Fechei os olhos, pensei na música que ele cantava para mim, pensei em ir à praia se desse sol, pensei em levantar e lamber a cobertura do bolo, e talvez comer um pedaço com café. Apaguei a luz, estava tudo tão silencioso que me deu vontade de cantar. Eu poderia dormir, se quisesse. Eu quero, eu vou ficar quietinha e dormir aqui com o Chico. Os olhos pesaram, e dessa vez achei que daria certo. Eu ia conseguir permanecer inerte, silenciosa, obediente, ia deixá-lo em paz. Ia deixá-lo... mas um carinho entre irmãos não seria nada de mais.

Toquei sua boca bem de leve com a ponta dos dedos, ele não se mexeu. Tinha medo de que a porta se abrisse e seu Érico viesse com a cinta na mão, mas não parei, usando a desculpa de que tinha bebido e não tinha mais freios. Encostei a língua, forcei um pouco, me afastei para ter certeza de que ele dormia. Ele dormia, a respiração longa e baixa no meu nariz. Levantei a camiseta e levei meu peito até o peito dele, meu mamilo enrijeceu, levei até sua boca. Não, eu não tinha ficado louca, nem um pouco, queria experimentar a proximidade que ele evitava. Ele fechou os lábios ao redor do bico, senti a língua molhar rapidamente a pele, depois se recolher. Susto. Baixei a camiseta e me virei, apavorada com o desejo de ir adiante apesar do medo de Chico acordar. Só impressão, porque ele continuou imóvel. Eu não aguentei, eu não pude, eu esqueci de quem eu era, dos laços, do que havia além do quarto. Eu beijei, confesso que beijei meu irmão! E ele correspondeu, no início, com um beijo terno. E eu me aproveitei desse entorpecimento para tirar a minha roupa, a roupa dele, e deitar sobre seu corpo e ali ficar, esperando a fusão, a mistura, o fim da distância e das proibições.

Mas Chico acordou e me bateu, me jogou contra a parede. Ser recusada por ele daquele jeito doeu tanto que me recolhi na beira da cama e chorei.

- Por que toda vez você faz isso?
- Porque eu amo você... tanto.
- Isso não é certo, será que você não vê? Não dá pra ser assim, não pode ser assim.
- Eu sei.
- Eu não queria bater em você.
- Mas bateu.
- Quero que você fique bem, só isso.
- Tenho medo de não ficar bem sem você.
- Vai ficar.

Outra vez Chico me consolou. Vestiu minha roupa e me botou na cama. A dor que eu sentia se desfez com os carinhos dele, e não insisti para ele ficar. Ele cantou para mim, e eu parei de pedir e querer, eu apenas dormi.




terça-feira, 14 de dezembro de 2010

OPERAÇÃO RESGATE

Vou saindo com o namorado. Ele pede para dar uma chegada no banheiro antes, eu digo que tudo bem. Mas ele demora. Penso que deve ter seus motivos e sossego. Dali a pouco ouço meu nome no corredor. O-oh. Faltou papel? Vou correndo salvá-lo do mico, mas ele não abre a porta. Assim não é possível, querido, o rolo não vai passar pelo buraco embaixo da porta. Do outro lado, tão perto, tão longe, ele pede que traga suas ferramentas, e fico sabendo que a chave quebrou na fechadura. O-oh! Faço o que posso, mas confesso que meu lado McGyver não funciona muito bem sob pressão extrema. Tudo que consigo é tirar os parafusos, com medo de levar junto alguma lasca do verniz da porta. Não dá. Então chamo a mãe dele, que vem mais que depressa, pega o alicate e manda ver. Mexe pra lá, torce pra cá, vira, gira, roda e avisa: não tem jeito. A parte quebrada não sai do lugar. Enquanto ela desce pra tentar passar o alicate pelo basculante, eu faço a última tentativa dos desesperados - coloco a chave de fenda numa pequena trava à esquerda, empurro um pouco para a direita e a porta se abre... a porta se abre! Sem suor nem lágrimas, sem fazer muita força, só com o jeitinho da namorada. Ah, essa namorada faz coisa para ter sempre o namorado por perto. ;)

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

vinte e quatro

HÁ NÃO MUITO TEMPO ATRÁS


Aceitei o convite de Chico para passar meu aniversário lá, estava com saudades. Quando mamãe nos deixou foi ele quem cuidou de mim. Eu tinha dez anos e não entendia muita coisa, mas prestei atenção quando ela falou em seguir carreira na Europa, pois ali ninguém se interessaria por uma cantora lírica. Mamãe era sonhadora, linda e ambiciosa. Tanto que não suportou a vida atrás do balcão.

Lembro aquele dia. Seu Érico estava na padaria, Chico me ajudava com a louça do café e ela se despediu com um beijo na testa como se fosse voltar para o almoço. Esperamos que ela viesse jantar ou chegasse de repente, esperamos até não aguentar mais. Seu Érico foi o primeiro a se convencer de que ela não botaria mais os pés em casa e se afundou no trabalho, disse que a padaria não podia parar. Foi o jeito que ele encontrou de sobreviver ao caos que se formava ao redor. E nós?

Chico era meu irmão e meu herói, meu tudo. Quando fiz onze anos me deu uma prancha de surf. Aos doze comprou meus primeiros absorventes e me ensinou a dirigir. Criei peito, espichei, os pelos foram aparecendo aqui e ali, meu corpo passava por revoluções contínuas e ele falava para eu colocar sutiã e eu me negava, aquilo apertava demais. Daí Chico se afastou. Por que não podíamos mais dormir na mesma cama? Nada de ficar de calcinha pela casa e me agarrar em seu pescoço nem fazer xixi de porta aberta. Eu era toda ira, teimava, ficava emburrada e xingava, e assim cheguei aos quinze anos, rebelde e previsível.

Inventei de ter medo de dormir sozinha para ele me deixar entrar em seu quarto de madrugada. Chico, deixa eu ficar... tô com medo... Ele me dava as costas até adormecer. Quando abria os olhos para levantar eu estava na sua frente, podia beijá-lo se quisesse. O foco só mudou um pouco aos dezesseis, quando arrumei um professor de violão. Beto. Ele estava sempre com hálito de bala de hortelã e os dedos cheios de calos, dedos que faziam as notas soarem trêmulas, muito longas, quando encostavam em mim. Ele não tirava o olho do que a camiseta escondia, mas não se atrevia a chegar em mim.

Eu tive que levantar a blusa para ele largar o violão no dia em que senti que não conseguia mais me concentrar apenas na música. Beto pareceu confuso, a mão permaneceu imóvel por alguns segundos, não mais que isso. Ele olhou com admiração para os dois bicos rosados à sua frente, tocou-os devagar. Meu coração acelerado quase parou naquela hora, o peito subia e descia rapidamente com o contato. Achei que aconteceria, ele me beijou e foi direto: senti a mão na bunda, nas costas, na barriga, em tudo ao mesmo tempo. Senti um assanhamento por dentro, quis abandonar todo o juízo de uma vez só. Mas Beto retirou a mão do aconchego entre minhas coxas assim que ouviu a voz de Chico no portão. Foi embora levando o violão e meu desejo junto.

Seria com Beto, estava resolvido.

Chico desconfiou da minha agitação depois disso, mas não abri a boca, nem uma palavra. Ele fez batatas fritas para ver se arrancava alguma informação, e eu decidi que não ia jantar. Mais perguntas. Ah, tenho que estudar. Ele não se convenceu.

Fui atrás do que queria.

Encontro às seis, lá em casa. Chico já teria ido para a aula e seu Érico estaria tirando uma fornada. Beto foi pontual, estava de cabelo molhado, o gosto forte de hortelã na boca. Fomos para o quarto, eu na frente puxando-o pelo braço. Enquanto tirava a roupa, avisei:
- Depois disso nós não vamos namorar, OK?
Sem entender, Beto deu de ombros. Eu sentia coisas diferentes com ele, mas me achava jovem demais para namorar. Pensei que seria justo que ele soubesse antes.

Deitamos na minha cama. Para aquele dia, lençóis limpos. Estávamos muito próximos, dois corpos estranhos. Ele estendeu a mão até meus quadris e me puxou. Ainda não. Beto apenas me beijou, beijo de hortelã que eu sempre lembraria. Deitou sobre mim, se mexeu um pouco, ajeitando o corpo no meu. Não era nada parecido com os encontros apressados no cinema ou nos corredores ou qualquer outra coisa que tivesse feito pelos cantos com algum vizinho. Era um pau de verdade me cutucando o umbigo!

Suspirei quando ele usou o dedo para ver se eu estava molhada. Não me atrevia a dizer uma palavra, ele devia saber o que fazia, era bem mais velho que eu, e isso me deixava tranquila e seduzida. Só não podia mentir. Doeu quando ele me penetrou. Uma dor normal, como quando caí de bicicleta. Mas esperei e passou, e veio uma sensação de eletricidade, de choque que me percorreu inteira. É só isso? Levantei para pegar um refrigerante, bebemos. Então deitei e fizemos de novo, e dessa vez ele não foi tão gentil, mas eu gostei mais de ficar de bruços enquanto ele me tateava antes da penetração. Eu estava tão feliz que nem me preocupei em descobrir se havia gozado ou sangrado, se aquela ebulição interna era o que deveria acontecer.

Quando pensei em levantar para pegar outro refrigerante, Chico entrou em casa. Tinha que chegar mais cedo! Beto saiu pela janela com a roupa na mão e me deixou na cama. Enfiei o vestido pela cabeça antes que Chico entrasse e saí. Fechei a porta.

Sob o olhar mortal de Chico eu espremi uma coxa contra a outra, para que não notasse que estava sem calcinha e ainda excitada. Onde estava a calcinha? Pensava que poderia ter sido o pau dele em minhas mãos, e apertava mais as coxas. E apertava as mãos, suava. E ria de nervoso. Chico viu meu estado, não havia como voltar. Menti que Beto era meu namorado há algum tempo e jurei que não faria besteira. Por favor... Ele gritou comigo, usou palavras duras que me fizeram chorar e ter ódio dele. Em seguida me sentou em seu colo e disse que se preocupava comigo. Eu sem calcinha. Pediu para eu me cuidar, porque eu era muito nova e os rapazes se aproveitavam. Eu sem calcinha, e o contato com a coxa dele provocou sensações que eu não podia evitar. Ele sentia? Molhei a calça dele.

Beto sumiu como se nunca tivesse passado pelo bairro. Sem se despedir nem deixar bilhete, nada. Quando liguei, disseram que tinha ido estudar em Brasília. Mentira! Tinha o dedo de Chico nisso, e não havia mais nada a fazer. Voltei às aulas de piano e Chico parou de implicar com a ausência de sutiã e até me deixou curar, em sua cama, as dores de amor que achava que eu sentia.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A CEGUETA DE RAYBAN

Não dá pra ver daí de onde você está, mas sou míope, daquelas que já passaram dos quatro graus e são dependentes de um trocinho sobre o nariz ou grudado nos olhos. Assim sendo, faço da minha rotina um tal de tira óculos, bota lente, tira lente, bota óculos e por aí vai. Hoje, antes de sair do trabalho, devia ter posto as lentes, pois o sol saiu da toca no fim do dia. Nah! Pensei: Ah, tô indo pra casa, é muita mão de obra.
Quando estava seguindo a linha reta que me levaria até meu lar, doce lar, um homem de paletó passou por mim e falou alguma coisa. A mania de estar com foninho de ouvido a vida toda me impediu de saber o que foi dito de bom - ou não. Olhei de lado, ele também. Quem era? Ora, ora, não é que era meu oftalmologista?!
Tirei os óculos de sol, morrendo de vergonha:
- Desculpa, doutor Maurício, não enxerguei o senhor...
Ele riu e respondeu com bom humor:
- Então seu médico não está fazendo um bom trabalho.
Apontei os óculos de grau, pendurados na blusa:
- Tô sem lente e sem óculos, viu?
Ele só me desejou boas-festas e não ficou para ouvir minhas explicações sobre a pouca visão. Eu vim sem enxergar cem por cento e me dei por satisfeita de não ter tropeçado no caminho. A cegueta de Rayban. Oo

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

vinte e três

“AMO VOCÊ, MEU LINDA”

O que eu fui fazer? Além de posar na escola, estava sendo requisitada pelo gringo para sessões privadas em seu apartamento. Joguei a roupa sobre a mesa:
- E agora?
O gringo teimoso mais conhecido como Dieter me colocou na cama com seriedade. Primeiro espalhou meus cabelos sobre uma almofada, olhou, arrumou mais um pouco, depois dobrou minha perna esquerda, me abriu os braços. Me senti excitada nas mãos àsperas dele. Bem que a gente poderia... Tentei beijá-lo, ele me pôs na posição de morta na cama e pediu para eu não me mexer. Que tipo de homem se manteria impassível diante de uma mulher nua e disposta ao sexo? O gringo.

Ficamos muito tempo naquilo, eu sem achar graça de estar de olhos fechados enquanto ele me riscava no papel.
- Vai demorar, Diti?
Ele negou com a cabeça sem perder a concentração.
- Tá calor, eu não aguento...
A previsão era de vinte e sete graus, lá fora. Naquele cubículo deveria estar mais de trinta e nem a ausência de roupa ajudava muito. Eu suava atrás da orelha, embaixo do braço, suava entre as pernas porque imaginava o gringo largando o maldito pedaço de carvão e vindo por cima de mim, trazendo seu suor para se misturar ao meu.

Muito tempo se passou até ele dizer que estava bom e me carregar nas costas para o banheiro. Só entendi quando começou a me ensaboar a bunda com uma animação diferente.
- Não, aí não! Só se for com o dedo...
Ele fez pressão. Apesar da voz mansa, senti que ele vinha com tudo e fiquei na defensiva.
- Para, Diti!
Parecia tão simples quando lia nas revistas de Karen. “Peça ao parceiro para usar lubrificante e penetrá-la devagar. Relaxe.” Como se fosse possível. Ele veio de novo, me empurrou contra o azulejo, assim eu sufoco! O que eu faço? Ele dá dois de mim!!! Me mordeu a nuca... Seria maravilhoso se ficasse nas mordidas pelo corpo e depois me levasse para a cama e fizesse um papai-e-mamãe caprichado. Não, o gringo queria ultrapassar fronteiras. Eu talvez quisesse, mas não desse jeito, esmagada contra a parede. Aproveitei o corpo molhado para me livrar do abraço por trás e escorreguei para o chão.
- Deu, gringo.
Ele ainda resmungou em alemão, tinha mania de fazer isso porque sabia que eu não entendia e ele podia falar o que bem entendesse. Foda-se, gringo! Eu não vou ceder, entendeu?

A expressão de menino contrariado só se desfez quando peguei o barbeador descartável e coloquei em suas mãos. Prêmio de consolação. Seria minha segunda vez, a primeira com ele, mas não passava de uma tática para ver se ele tirava meu backstage da cabeça de uma vez por todas.

Saímos pingando do box. Sentei na privada, Dieter se ajoelhou. O sabonete veio molhado para o meu colo, escorregadio. Fiz espuma e espalhei sobre os pelos. Karen iria gostar de ver que eu finalmente cuidava da depilação... ele não entendeu meu riso solto, nem precisava. Com uma bola de espuma branca entre as coxas, pronto, foi só abrir bem as pernas e prestar atenção para ver se ele fazia direito.
- Cuidado, hein!

Os movimentos suaves e cautelosos como se estivesse fazendo a barba me assanharam. Se ousasse me mexer poderia acabar com um corte feio, me segurei. E ele nem me olhava mais na cara. Passou a lâmina em mim, depois passou a mão para ver se o trabalho estava bem-feito, me enlouquecendo. E alisou a pele branca sem pelos.
- Ai, isso é bom, não para, não.
Apertou-a entre os dedos. A pele, todas as dobras, meu botaõzinho... Assim eu me desmancho, gringo. Ele falava “boceta” daquele jeito engraçado que me fazia engasgar de tanto rir.
- Me leva daqui, Diti!

Na cama, dois dedos para me alegrar, depois três. E então a razão do temor se diluiu nesse contato. Parecia não haver mais espaço entre nós, e ele conseguia ir fundo ao meu encontro, e eu, leve e receptiva, o prendia. E soltava, mas não muito. E o gringo sorria, só ali, comigo. Gozou sorrindo, sem estardalhaço. E me fez feliz quando demorou a sair de mim para fumar um baseado na janela.

Desprovida de pentelhos e de vergonha. Foi assim a última vez com Dieter. Ao acordar ele fez as malas para ver a família e resolver algo sobre o visto. Estava saindo com os cabelos desgrenhados e grandes olheiras, corri para ele e fui abraçada, tão forte que doeu.
- Posso ajudar em alguma coisa?
Descemos juntos. Ele levava um envelope pardo nas mãos. Me levava pela mão cheio de mistério, de silêncio. Pela última vez a voz dele, meu rosto entre suas mãos, o beijo que eu não queria que tivesse fim, as palavras mal-pronunciadas na calçada:
- Amo você, meu linda. Tchau.

Voltei a viver, voltei para a escola, os pentelhos cresceram e coçaram, mas não tive mais notícias de Dieter, o meu gringo...



[Mais Nina aqui.]

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

da seção
UMA COISA É UMA COISA, OUTRA COISA É OUTRA COISA

Se a pessoa tem mau hálito, tudo bem, eu aguento na boa. Faço apneia, posso deixar de respirar por alguns segundos sem reclamar. Ou me afasto um pouco, viro de lado. Agora não consigo me controlar se vejo uma melecona querendo sair do nariz alheio. É mais forte que eu, entende?

Com discrição, aviso:
- Tem um objeto estranho no lado esquerdo [ou direito] do nariz.

O mundo não fica muito mais bonito quando o nariz vizinho está livre e desimpedido?

terça-feira, 30 de novembro de 2010

DEVAGAR SE VAI

Certa pessoa exagerou na dose diária de transport e levou "inteiramente de grátis" uma dorzinha chata na coluna. A pessoa não deu bola pra dor, mesmo sabendo que já tem um desgaste aqui, outro ali. Não, ela não para quieta. Quer ser desafiada, ir ao limite, e fazer mais e mais. E isso só podia resultar em mais dor pra ela. Pra mim, né? De tanto insistir tive o castigo merecido.

Hoje estava no shopping experimentando sapatilhas e de repente senti uma fisgada fenomenal na lombar. Ops! Saí da loja com passinhos de gueixa, meio curvada pra frente e torcendo pra achar um táxi no ponto. Não tinha! A vinte minutos de casa, ou eu ia ou sentava num banco pra esperar até sei lá quando. Mas passava das duas, eu tinha saído do trabalho e faria qualquer sacrifício por um prato de comida. Sabe o quê? Eu fui. Ferrada de dor, mas fui. Para um pouquinho, descansa um pouquinho, fingindo não ter pressa, sonhando com um Dorflex e uma cama. E aquele prato de comida antes, lógico. Os vinte minutos viraram trinta, e mais de uma vez disfarcei que olhava a hora enquanto tentava endireitar a postura e seguir. Em vão. A dor não saiu de mim, me seguiu até em casa. Até eu sentar. Até tomar o relaxante muscular e aprender a lição. Uma próxima não vai ter, não.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

vinte e dois

GRINGO

Aprendi a tocar gaita com Caio e quase me convenci de que nossa parceria podia virar algo bem mais sério do que tínhamos naquele momento. Ele mantinha intacto aquele ar musical que me seduziu no começo, mas foi justo a música que o levou de mim. Se ele queria mais espaço na banda, seria eu a renunciar? Desculpa, mas isso não. Não vai dar.

Samuel tentou amenizar dizendo que era uma nova fase para a banda e Eric prometeu que eu não iria perder espaço e poderia compor mais, pena que não consegui levar a sério. Então Caio interferiu para anunciar que deixaria a banda sem pensar duas vezes, era só eu ficar com ele. Falando desse jeito ele só confirmou o que eu já sabia: devia ir embora e me conformar de voltar ao ponto de partida e começar tudo de novo.


E foi com a proposta absurda de Karen que resolvi mudar o rumo das coisas. Por que não? É certo que seu Érico jamais poderia desconfiar, pois como pai seria incapaz de aceitar a filha caçula posando sem roupa, mesmo que fosse para alunos de belas artes. Então eu não podia dizer a verdade. Definitivamente havia coisas sobre mim que meu pai não poderia saber.


O maior desafio foi abrir o robe no primeiro dia. Achei que ia ser simples, torci para que fosse. Um grupo me esperava no salão, e não havia como fugir alegando um ataque de pudor repentino. Eu devia, sim, subir no pequeno palco, me posicionar e permanecer imóvel dali em diante. “Seja natural”, disse uma das professoras. Falar é fácil, minha senhora. Prometi fazer o possível. Mas o possível seria suficiente? Bastaria para o professor? Para os alunos?


Abri o robe, os dedos inseguros ao desfazer o laço, e esperei. Olhei para cada um em busca de um sorriso malicioso ou atitudes suspeitas dos alunos diante de minha nudez. Eles foram se colocando em frente ao cavalete e começaram a trabalhar com tamanha concentração que acreditei que o bico dos meus seios fazia parte da decoração. Me tornei um objeto de cena sobre a plataforma e logo entendi o principal – eu estava proibida de me mexer!

Enquanto passeava entre alunos, o professor falava baixo e às vezes apontava para mim, aumentando a tensão. Fora isso, só o barulho do lápis riscando o papel, as folhas sendo viradas, os carros passando lá fora. Fiquei com sede, entediada por estar bancando a estátua. Um cigarro, por favor... Caneta e papel, meu violão... De repente eu queria compor, tocar, ir embora dali.

As cãibras vieram, intensas, nos braços, nas coxas. Depois pequenos espasmos incontroláveis. Por mais que tentasse, não conseguia conter a onda de tremores. Tudo isso valeria a pena? Pensei em procurar Caio e pedir para voltar, quem sabe até João... Por que não dar aulas de piano? Em último caso até o balcão da padaria do seu Érico parecia mais atraente do que aquilo.


O professor encerrou a aula e me cumprimentou com um aceno de cabeça. Já? Todos saíram rapidamente, menos o cara da cicatriz na testa. Só falta vir me pedir outra pose! Torci para ele ir embora também. Ele veio e me entregou o robe, sorriu e se foi, carregando o capacete preto e uma bolsa de couro atravessada no peito. Ei, também não precisa sair correndo... Ele era muito, muito interessante, interessante até acima da média, boca pequena, nariz largo, tinha uma tatuagem que descia pelo pescoço e me fazia imaginar até onde chegaria. Nem me disse o nome, mas foi educado... Me convenci de que uma cama só para mim seria o ideal e não pensei mais nele.


Na sessão seguinte estava mais disposta – até alegre – à base de relaxante muscular. Ele, o da cicatriz na testa, estava de pé à minha direita e eu não podia fazer nada. Fiquei deitada sobre a chaise vermelha de acordo com as instruções, as pernas meio dobradas, os braços caídos para os lados, quase encostados no chão, sem poder sussurrar Me encontra fora daqui pra gente se conhecer. Não ri, mas tive vontade.


Evitei me aproximar, porque assim a professora recomendou. Nada de amizade com os alunos. Seja profissional, seja profissional. OK. Tentei, mas depois de uma semana ele me ofereceu um cigarro enquanto eu me vestia. Tinha um sotaque esquisito, escolhia cada palavra com hesitação. Suíço, alemão, holandês? Gringo! Paramos na cantina para tomar café feito dois velhos amigos. Acendi o cigarro.
Dieter não disse de onde vinha, mas me deixou à vontade para falar de mim. Falei, peguei mais um cigarro, ele ouvia com atenção, não sei se me entendia ou estava fingindo para ser agradável. O pastel de carne foi dividido em dois, outro cigarro, joguei fumaça na cara dele de propósito para provocá-lo.

Fui para o apartamento de Dieter, sim. Fui porque quis. Lá ele me entregou um baseado, ligou o rádio e veio tirar minha calça. Contando assim dava a impressão de estarmos indo rápido demais, era isso mesmo. Não vi nada de anormal em ceder ao impulso. Ele me deitou como se eu fosse posar, isso me fez rir. Fumamos olhando o teto e eu caí no sono sem que ele tivesse tomado qualquer iniciativa. Eu devia estar em casa com Karen... Ela tinha uma língua pontiaguda que me deixava molhada muito depressa. Minha prima. Dormi sem a língua dela, nem a dele. Mais relaxada com o fumo, mas sem a língua... Tão cansada... Queria gozar. Dormi profundamente. Languidamente ao lado de Dieter, sem saber direito quem era Dieter.


Acordei com uma coceirinha boa entre as pernas, e não era Karen vindo me arrancar da cama. Dieter me lambia como um cachorrinho esfomeado. Ele estava sem roupa e pude ver pela primeira vez que tinha o corpo coberto de tatuagens coloridas que eu não conseguia decifrar, mas que me despertaram a curiosidade. Dieter abriu meus lábios, me sentiu com os dedos, eu estava pronta para ele. Sorriu. Sorri de volta e fui descobrir o que todos aqueles desenhos faziam no corpo do homem que se preparava para ocupar espaço em mim.


[Aqui o que veio antes.]

terça-feira, 23 de novembro de 2010

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Conte sempre com o meu pé

Vou mudar de ideia, agora eu sou uma moça que tem o pé quentinho - e sem chulé, tá? Assim ó: na sexta, quando saía do trabalho, vi os meninos do time do qual sou torcedora saindo do ônibus em direção ao hotel. De tão surpresa não sabia o que dizer, não conseguia reconhecer nenhum deles, que fiasco! Mas fui em frente, cheguei no primeiro que apareceu, juntei as mãos em sinal de prece (que doida!) e desejei que tudo desse certo, que o jogo fosse bom, que eles ganhassem, etc. Ele ficou meio sem saber o que dizer, eu entendo. O cara lá, concentrado pro jogo, e eu agitando ao redor dele. Vê se pode! Tem problema, não. O que interessa é que fizeram três gols nesse domingo e saíram da zona de rebaixamento. Uhu! Tenho ou não o pé de coelho? Digo, o pé quente?

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Não liga, não

As duas estão se arrumando para uma festinha na frente do espelho. São irmãs, a mais velha tem 7 anos e a mais nova, 5. A mais velha não se conforma por ter o nariz maior que o da caçula.
- Eu queria saber por que só o meu nariz é assim, tão grandão.
A pequena tenta ajudar:
- Quando Deus fez as pessoas, deu um balaio pra cada anjo colocar as partes nelas. Aí o anjo do nariz tropeçou e caiu em cima do balaio e amassou o seu nariz. Por isso é que ele é desse jeito. Não liga, não.

E não é? Para tudo há uma explicação, seja ela muito ou pouco razoável.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

vinte e um

MARCADA


- Acabou?
Eu estava de bruços na cama dele, esperando a caneta desenhar linhas da esquerda para a direita, até o fim das costas. Deslizava freneticamente às vezes, depois fazia pausas gigantescas e me deixava curiosa. Caio tinha prometido uma música para mim e queria que eu sentisse as palavras na pele.

- Ainda demora?
- Só mais um pouco.
- Você já fez isso alguma vez?
- Eu quis fazer há um tempo, mas a garota não topou.
- Você gostava dela?
- Muito.
- Ela não sabe o que perdeu.
- Você se importa com isso?
- Não. E você?
- Agora eu me importo com você.
- Não brinca – me virei, ele me segurou.
- Eu vou amar você de um jeito que você nunca foi amada.
- Você me assusta! – tentei ficar de barriga para baixo de novo, mas ele sentou nas minhas coxas. – Caio, me deixa ir.
- Não. Você vai ser minha?
- Não!
- E se eu arrancar essa calcinha com os dentes?
- Eu vou correr pro chuveiro e você nunca mais vai ver sua música.
- Nem você.
- Mas eu queria tanto saber o que você escreveu...
- O que você faria para descobrir?
- Lamberia seu dedão do pé.
- Isso não me interessa.
- Beijo de língua de duas horas?
- É pouco.
- Já sei o que você quer.
- Adivinha.
- Quer que eu te chupe?
- Hoje não.
- Então...
- Se masturba pra mim.
- Eu?
- Tá vendo outra moça de peitinho de fora aqui?
- Mas por quê?!
- Eu quero ver como minha namorada faz sem mim.
- Quem disse que eu sou sua namorada?
- Se não é, está convidada. Quer?
- Vou pensar no seu caso.
- Aguardarei uma eternidade por uma palavra sua.
- Você pensa que é só estalar o dedo?
- Claro que não. Primeiro eu vou puxar sua calcinha até os joelhos, depois vou beijar sua boca, e morder seus mamilos. Você vai ficar desinibida e rouca, e aí eu vou poder te ver.
- E aí você vai cantar pra mim?
- Bingo!

O roteiro descrito por Caio me persuadiu. Eu tive um pouco de vergonha quando percebi que ele me olhava fixamente e tapei os olhos com a calcinha.

- Olha pra mim - ele pediu.

Joguei a calcinha na cabeça dele. Não era ruim, era esquisito ter alguém ali me espiando tão de perto. Acho que não dá pra voltar atrás. Hesitei, ele sorriu e me encorajou, então toquei os pelos e parei. Apenas mais uma troca de olhares para eu afundar os dedos e prosseguir sem me desviar do olhar dele. E fui avançando até me sentir confortável com a pressão lá onde ele tanto ansiava. Mesmo que quisesse, não conseguiria mais parar, não podia. Agora não.

A suavidade dos movimentos que começaram aquela loucura toda deu lugar à impaciência dos dedos que procuravam, apertavam, rodeavam, remexiam, queriam arrancar o prazer de mim e mostrá-lo a ele. Ele, que permanecia imóvel e silencioso aos meus pés, se satisfazia com a agitação que não acabava mais entre minhas pernas. E eu continuava desperta, atenta para o abrir e fechar, as ondulações crescentes que avisavam que eu estava pronta e ia gozar alucinadamente. Logo. Mas não ia sossegar até ouvir a música, aquela que fora marcada de propósito em minha pele. Só para mim.



segunda-feira, 15 de novembro de 2010

OH!

Ei, você aí do outro lado. Você que eventualmente me lê ou sempre passa por aqui. Você sabe quem eu sou? Sabe que eu adoro mudança, movimento, transformação, que sem estímulo minha vida vira um tédio? Esse é meu mundo, é assim que me sinto, mas confesso que o coração bate apreensivo pelo que virá.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

vinte

MUSICAL

Foram duas semanas de ensaio improvisando na guitarra. Sem Tom. De repente surgiu o amigo de um amigo de Eric se dizendo interessado na vaga. Vaga? Ninguém me avisou dessa vaga, senão eu mesma teria convidado pelo menos três conhecidos para o teste.

Ele se apresentou como Caio e pediu permissão para começar sem muita conversa. Sentei no fundo do bar em suspense. Ele não tocava guitarra apenas, também cantava, e bem! Se eu fizesse qualquer crítica iria parecer a invejosa da história. Deixei Samuel e Eric o acompanharem e saí para jogar uma água no rosto.

Os dois me olharam quando voltei, aguardando uma reação. Dei de ombros, depois fiz um sinal de positivo. Ia dizer o quê? Ele ou eu? Ele era mesmo bom e não havia nada que eu pudesse fazer. O próprio veio falar comigo:

- O que você achou?
Eu não iria mentir, não tinha coragem. Ele estava ansioso? Senti que eu estava.
- Por mim você fica. Acho que o Eric e o Samuel também gostaram.
- Você se importaria de dividir os vocais de vez em quando?
Pensei em gritar que não. Nunca.
- Pode ser.
- Canta uma comigo agora?
Quis bater nele.
- Pode ser.

No início cismei que não ia dar certo dividir o palco com ele. Mas ele estava ao meu lado e demonstrava disposição. Lá vamos nós! Deixei que ele escolhesse o tom e desse o primeiro acorde. E esperei que começasse a cantar. Caio me olhou e eu sabia que devia ir com ele. Cantamos uma atrás da outra, acho que foram cinco. Minha voz vibrava como nunca, eu não precisava pensar onde queria chegar. Ele não era fácil de seguir, e em vez de me desencorajar, isso me estimulava a querer alcançá-lo. Ele vinha para o meu lado no mesmo tempo, na mesma batida. Sua boca dizia, cantava, sussurrava, eu respondia o que ela queria ouvir com a mesma intensidade.

Por vezes ele me tocava o braço quando ia pegar o microfone, eu jogava o cabelo em seu rosto, nós ríamos. Caio se encostava em meu ombro, deitava a cabeça e cantava me olhando como se existisse grande intimidade entre nós. Aceitei o papel que a música sugeria e também me insinuei, passando a mão em seus cabelos, no rosto barbudo, nos lábios umedecidos de saliva e belas palavras. Eu desejei o que ele me oferecia, a voz límpida, os olhos claros sobre mim como faróis, a boca que cantava, a boca tão perto da minha. A boca perfeita para um beijo. O que tá acontecendo comigo?!

A música terminou e não emendamos outra. Paramos para nos olhar e tentar adivinhar o que viria. Apenas o microfone nos separava, e continuei desejando-o. Pousei a mão no ombro dele para diminuir a distância e sorri. Vai, pode me beijar agora.

Em vez disso Caio me abraçou forte e agradeceu com umas batidinhas de leve nas costas:
- Valeu mesmo! Você foi muito legal, cara. Teu nome é Nina, não é?
Levei a sério o banho de água fria e devolvi na mesma moeda:
- Meu nome é Nina, seja bem-vindo. Como é o seu mesmo?
Como se eu não soubesse. A química de instantes atrás se desfazia sem a música e eu ainda não tinha feito nada!
- Samuca, me dá uma carona?
- Vou dormir no Eric hoje, Ninotska.
- Eu posso levar você. Eu tô de moto.
Sim, Caio disse isso!
- Deixa só eu pegar a bolsa.
Não levei mais que um minuto para juntar minhas coisas espalhadas e jogar tudo na bolsa. Ele me esperava na porta como um bom menino.
- Eu não sabia como ia conseguir ficar sozinho com você.
- Você vai me levar? - fingi não entender.
- Como prometi. Você tem alguém te esperando em casa?
- Não.
- Vem comigo?

Sorri em resposta e ganhei o capacete reserva. Subi na moto para rodar com ele sem saber o destino. E quanto mais agarrava seu corpo mais crescia e expectativa de conhecê-lo, e quanto mais eu queria mais meus dedos faziam pressão no peito dele.

Caio me levou para muito longe, onde havia um jardim escuro e rodeado de silêncio. Parou embaixo de uma árvore. Foi ali o primeiro beijo e todos os outros. Eu diria até o fim dos meus dias que ele tinha gosto de música, algo que eu nunca saberia explicar nem queria entender. E por isso cantei baixo para ele enquanto me despia e via ele tirar a roupa. E cantei quando me sentou na moto e juntou meus cabelos nas mãos e puxou para trás. Eu não podia com ele, apenas deixei que viesse de uma vez, para estar mais próxima e poder cantar em seu ouvido. Se me arranhava o corpo com seus pelos, eu gostava. Se suava e pingava no meu colo, e esse suor escorria entre os seios e procurava meu sexo, eu delirava e ansiava por mais desse líquido que invadia meu íntimo e me fazia cantar mais alto e mais forte, até gritar por ele.

A noite não era mais tão fria e silenciosa como antes.



terça-feira, 9 de novembro de 2010

O Jardineiro (In)Fiel

E tem também a história do casal que contrata um jardineiro para ajudar a melhorar o aspecto do jardim da casa. Logo no primeiro dia, o homem repara que o rapaz vai ter um trabalho árduo pela frente e pede à mulher que faça uma comida caprichada. Ela não gosta nem um pouco das artes culinárias, mas se esforça, e ao meio-dia em ponto entrega ao rapaz um prato muito bem abastecido com feijão, arroz, dois ovos fritos, carne e macarrão, e mais um extra com salada. O rapaz, sentado numa das cadeiras da piscina, começa a comer sem nada dizer. A mulher o desafia a comentar sobre a comida:
- Tá bom?
Ao que ele responde, com alguma indiferença:
- Ahhh... normal.



Ahhh se fosse comigo...

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

pequenos avanços

Eu hoje joguei tanta coisa fora

Eu vi o meu passado passar por mim
Cartas e fotografias gente que foi embora.
A casa fica bem melhor assim

(Paralamas - Tendo a Lua)


Eu joguei, e reverti a ordem. E abandonei o caos, companheiro de muitos momentos.
Papéis no lixo, coisas sem necessidade, sem mais lugar na estante.
Agora eu me acho, agora eu me sei.
Agora eu sou de novo. Agora eu vou.
RENOVADA.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

ACADEMIA É ASSIM. É ASSIM MESMO?

Os moços dedicam menos de um minuto ao alongamento, quando o fazem. As moças são mais caprichosas e, se tiver outra moça se alongando também, elas fazem questão de mostrar o quão longe seus braços e pernas são capazes de chegar.

Os moços usam regata e bermudão e está ótimo. As moças, quase todas, usam roupas ultrajustas. Algumas abusam do perfume e da maquiagem. Outras ainda se enfeitam com botox.

Os moços, em sua maioria, cultivam o inexplicável shape sorvete de casquinha - malham braço até morrer e deixam pernas sempre pro outro dia, aquele que nunca chegará. As moças pegam pesado para enxugar, endireitar, tonificar, enrijecer e qualquer outro verbo que as torne mais magras e lindas.

Os moços, os mais velhos, são mais simpáticos e cumprimentam, puxam assunto. Idem para as moças quem têm mais idade. Os mais jovens de ambos os sexos olham sério, torto.

Há moços e moças que tomam banho antes de malhar e usam perfume importado e forte.

Quase todos usam alguma peça da Adidas ou da Nike.

Absolutamente todos são vaidosos.

Quantos admitiriam que são assim?

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

dezenove

UMA NOITE DAQUELAS

Samuel nem me deixou começar:
- Vocês brigaram de novo?
- Não, não foi isso. É que a gente se desencontrou ontem e eu queria esclarecer umas coisas.
- O Tom levou tudo quando a gente tava fora. Não deixou bilhete, nada. Não sei o que deu no cara.

Saí com o peito apertado, olhando para os lados para me convencer de que Tom não estava se escondendo em algum beco da vizinhança. Havia o bar na esquina onde a gente costumava passar um tempo. Entrei. O rapaz que servia as mesas perguntou de Tom. Ele não mora mais por aqui, respondi e acendi um cigarro. Pedi uma cerveja, caneta e papel e me esqueci dos problemas enquanto escrevia. Só fui embora depois de encher três folhas de palavras, quando não tinha mais vontade de beber e me sentia vazia. Sem dor, sem remorso, sem querer voltar atrás.

Mas Gabriel me ligou para me tirar do caminho. Gabriel! Meu primo lindo, apressadinho e sem juízo estava de volta. Uma rave? Você sabe que eu não curto... Ah, tá bom. Se me prometer que não vamos ficar até o fim.... Tive um dia esquisito.... Quem vai?... Você me deixa em casa depois?

Embarquei no carro e mais tarde na agitação frenética de braços, sons, pernas, luzes e cabeças. Era tanta gente quando chegamos, pensei em flutuar, achei que estava flutuando mesmo, e mexia os braços ao redor de Gabriel e olhava o céu estrelado e me sacudia toda e pulava fora do ritmo. Era assim que devia ser? As horas... Perdi as contas, perdi o relógio também, ou alguém me roubou. Ainda estava escuro, não tanto quando eu gostaria. Arrumei um jeito de arrastar Gabriel para a moita mais próxima porque não havia coisa melhor para fazer. Vamos, quero brincar. Só não tinha onde me apoiar, que idiotice. Ele tentou puxar a minissaia com sua falta de jeito habitual e me derrubou a alguns metros dos amigos. Meu lado exibicionista amou a ideia de estar sendo observada pelos rapazes que não paravam de dançar e rir. A não ser por um deles, o que lembrava meu irmão Chico. Ô, Chico, quanto tempo... Gabriel me puxava para cima dele, tudo rodava e era colorido e cintilante. Rolei na grama. Preciso ligar pro Chico! Não fomos além dos beijos e os amigos dele ficaram desapontados com a falta de ação.

Ele era o Mu. De Murilo. Mu de vaca, pensei e comecei a rir. Ele juntou a saia e me entregou, já que Gabriel estava mais preocupado em beber. Quanto mais eu o olhava mais notava as semelhanças e mais queria me aproximar. Me apresentei, Gabriel não tinha mais condições de falar decentemente ou ficar de pé. Ah, é você o amigo do Gabriel... Ele foi simpático, me ajudou a limpar a roupa e quis me levar no carro dele. Acho que entre nós ele era o mais lúcido, por isso aceitei.

Íamos os três no carro. Gabriel caído no banco de trás, desacordado. O sol começava a aparecer no horizonte e a batida eletrônica foi ficando fraca... até se misturar ao som da estrada e sumir aos poucos. Eu tinha fome, precisava de um banho, o corpo todo coçava e ainda conseguia me agitar dentro do carro. Mu colocou uma música alta e ficou batucando na direção enquanto dirigia. Não tive medo, me sentia anestesiada e feliz, mesmo que tudo aquilo fosse passageiro. Coloquei os pés no painel e vi que Mu me lembrava ainda mais Chico quando tirava a franja dos olhos a cada cinco minutos. De repente ele parou o carro e saiu sem me dizer o motivo. Fui atrás. Finalmente ele abriu a boca:

- Meu, vai ser um puta dia lindo!
- Acho que sim. Você tem um cigarro?
Ele mexeu nos bolsos, puxou os panos para fora.
- Sem chance. Acabou, meu.

Silêncio. Sentei no capô ao lado dele. Mu tirou de novo a franja dos olhos.

- Meu, o Gabi fala muito de você.
- Fala o quê?
- Que você canta, toca violão e piano, que tem banda.
- Ah, é? E o que mais?
- Ele jura que vocês ainda vão casar.
- Nós? Ah, essa é ótima. Ele é meu primo!
- E daí?
- Não sei. Nunca pensei nisso. O Gabriel é louco. Eu amo ele, mas ele é louco demais.
- Mas vocês dois já...
- Já. Ele falou disso também?
- Um pouco só.

Ficamos novamente em silêncio por mais algum tempo, olhando para o lado. Ele colocou a mão sobre a minha.

- Eu gostei de você.
- Também gostei de você.
- Se você não fosse do Gabi eu ia querer você pra mim. Você é diferente.
- Eu não sou dele! Não sou de ninguém.

Pensei em Chico, não tinha como não pensar. Eles eram muito parecidos. Mas Chico não falaria assim, fiquei curiosa para ver que rumo tomaria aquela conversa. Mu me surpreendeu ao sacar uma arma da cintura e me enfiar o cano no ouvido. Puta que pariu, o que é isso?! O medo era tanto que comecei a rir. O que é que ele quer comigo?

- Então tira a calcinha que eu quero te comer nesse capô.
- Ei, espera.
- Tira logo que eu tô mandando!

Com a pressão firme do cano, agora no pescoço, o riso sumiu. Tirei a calcinha como ele mandou, tremendo inteira. Fiquei com ela embolada nas mãos esperando a próxima ordem. Estávamos numa estrada secundária e as chances de sair correndo e escapar eram mínimas.

- Joga no mato.

Obedeci. Olhei para dentro do carro e vi Gabriel dormindo com um sorriso no canto dos lábios. Seria o fim se eu fizesse alguma bobagem. Agora ele vai me matar, eu sei. Vai me colocar no carro com Gabriel e nos queimar vivos. Que merda de amigo do Gabriel é esse? O cano da arma subiu pela coxa, jurei que não ia chorar até o fim. Ele parou entre as pernas, fez pressão para que eu o sentisse, depois afrouxou a mão. Meu coração sentia urgência. Que aconteça logo então. Ansiava pelo fim da agonia. Mu? Desabou no capô.

- Fala sério que você acreditou...
- Seu idiota! O que é que você tem na cabeça?

Mais aliviada do que com raiva. Quase ri.

- Mas eu não menti quando disse que gostei de você.
- Não chega perto!

Charme, puro charme.

- Nem quando disse que queria te comer em cima do capô...
- Sai fora!

Tentação dos infernos! Tinha que ser tão parecido com Chico???

- Hoje vai fazer um puta dia lindo – repetiu e me beijou a bochecha com bafo de cerveja azeda. Revidei com um tapa, ele me beijou outra vez, dessa vez na boca. Em vão tentei empurrá-lo, ele não saiu do lugar.

- Vai ser aqui mesmo ou você quer procurar um matinho?
- Para!
- Agora você não tem mais calcinha pra te proteger.
- Eu posso me proteger de outro jeito.
- Duvido.
- Então tenta.
- Vou te roubar do Gabi.

Como Mu havia sugerido, o dia estava lindo. E eu não estava pronta para resistir, então me abriguei do sol nele e me servi de seu corpo. E me ondulei sobre o metal quente e pensei que estava tudo bem ele se parecer com Chico. O dia ia continuar lindo com nossos corpos expostos e todo aquele desejo despertado por brincadeira, pelo sol, porque tinha que ser.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

E O PALHAÇO, O QUE É?


* Fotos tiradas numa manhã de sábado, no calçadão - centro de Florianópolis.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

CHISTE MATERNO

Mãe entra no quarto e solta esta:
- Alline, acabei de ver um comercial na TV do absorvente Naturella. Naturella deixa a sua pomba mais tranquila.

Eu incrédula:
- Ah, é! Tá brincando. Isso passou no comercial?

Ela rindo:
- Não, não.

E eu ri também, claro.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

dezoito

TUDO DE NOVO OUTRA VEZ



Estava deitada pensando em uma boa história para quando seu Érico ligasse em busca de notícias sobre o cursinho. E Tom apareceu na porta com uma margarida na mão. Fiquei feliz, simplesmente.
- Posso deitar do seu lado?
- Tá convidado.

- Cê não vai ensaiar mais com a gente, Nininha?

- Ah, eu tava com vergonha, Tom. Essa história toda me deixou mal. Você me perdoa? - entrelacei minha perna na dele.

- Só se cê sair comigo hoje à noite. Lembra que aquele meu camarada convidou a gente?


Ele agia como se não tivéssemos rompido e me desarmou, não estava esperando isso. Acabei cedendo, embora tivesse preferido ficar dedilhando o violão na cama. Tom me beijou a ponta do nariz. Relaxei.


- Então tá, mais tarde vamos dar um alô pro teu amigo, mas nada de ficar até a bebida acabar, OK?


Essas exposições eram todas iguais: bebia-se à vontade, mesmo sendo o vinho mais barato, havia sempre um para discursar sobre os quadros sem conhecimento de arte, as mulheres passavam a maior parte do tempo reparando na roupa umas das outras. Me faltava paciência para tudo isso.


Não havia nada premeditado, mas entrei na galeria de braço dado com Tom e peguei a primeira taça e todas as outras. Aceitei o braço dele ao redor da cintura. Depois veio a mão nos cabelos, a cabeça no ombro, o beijo no nariz, e eu procurei o contato dos lábios de Tom, que cederam facilmente à pressão dos meus. Desse jeito ia voltar com ele para casa. Eu quis, mas parei no mesmo instante. Não, só podia ser alucinação, efeito da bebida. Não era possível que fosse ele. Olhei bem. Era Bernardo do outro lado do salão com sua companhia usual no meio de um grupo. Não podia ser... Outra vez?! Que bela hora pra aparecer... Bernardo não me viu. E agora? Vou até lá e me apresento? Dois beijinhos no rosto ou um só? Finjo que não é comigo e me meto entre os dois?


- Tô vendo um amigo logo ali. Pede um uísque pra mim? Já volto – dei as costas antes que Tom tentasse vir junto. Caminhei devagar, para demonstrar uma calma que não existia, parei para que ele me notasse. Dessa vez você não escapa. Ele cochichou no ouvido da mulher e me seguiu. O que será que ele tá dizendo? Se ela me visse teria mostrado as garras para defender sua presa, mas sorriu como uma mulher civilizada. Então não me viu.
Parei no outro salão, no meio de estranhos.

Bernardo se adiantou:

- Você por aqui...

- Era o que eu ia dizer – tentei demonstrar frieza. – Vocês ainda estão juntos?

Como resistir?

- Viemos com uns amigos. E ele? – apontou Tom, que não desgrudava os olhos de mim. De nós. Segurava o copo de uísque, aquele que pedi.

- Um amigo... – sussurrei. Era verdade, ou mais ou menos verdade, mas e daí? – Preciso voltar.

- Vem comigo? Não aguento mais isso aqui.

- E ela? Se me vê aqui ela vai ter escândalo.

- Eu dou um jeito.

- Hoje não. – beijei-o no rosto, bem no canto dos lábios. Senti gosto de uísque e cigarro, tive vontade de lamber aquela boca, mas me segurei.
Bernardo correspondeu passando a mão nos meus cabelos, um gesto de intimidade que me desconcertou. Tom devia estar pensando mil coisas... A essas alturas eu ainda seria obrigada a inventar uma desculpa?

- Quem é ele, Nininha?

- Bernardo.

- Aquele...?

- Aquele.

- Me ouve, Nininha, o cara não tá a fim de nada sério.

- Me deixa, Tom.

- Nininha...

Eu disfarçava, nem tinha mais condições de ouvir o que Tom dizia. A cada gole um olhar. Era alguma espécie de jogo? Eu sorria e passava a língua pela borda do copo e começava a sentir a boca latejar de tanta vontade de beijá-lo. Bernardo fez um brinde do outro lado. Que idiota! Dessa vez usava camisa branca. Não era lindo, nem um pouco, não era meu tipo de homem, mas o jeito de olhar – sexy! – mudava tudo. Me encarava, grandes olhos azuis afogueados. Os olhares eram breves e intensos e qualquer um podia perceber. Não dá mais pra segurar, que merda, lá vou eu me ferrar de novo.


- Desculpa, Tom, eu tenho que ir.
Fui, sem enxergar mais nada, num impulso, sem pensar nas consequências, tudo nublado e desconexo. Não parei. Tive medo de que ele não tomasse uma atitude como no dia do cinema... Uma olhada antes de descer as escadas. Ele não pode fazer isso comigo agora... Hoje não, por favor... Bernardo me alcançou no corredor, tão alterado quanto eu. Segurou meu rosto entre as mãos e o que havia naquele salão ficou para trás de uma vez. Me perdoa, Tom!

Fomos somente até o carro, onde abri a blusa sem esperar por ele, nada de explicações. Bernardo aproveitou para abocanhar os mamilos, um de cada vez. São teus... A caminhonete era espaçosa e me senti em casa. Afoitos, nos livramos da roupa sem pensar que as vestiríamos de novo e quase nos rasgamos e avançamos com fúria em busca do que fora prometido pelos olhares de antes. Quando os vapores inundaram as janelas abri mais as pernas e me encaixei, sentei no colo dele e logo o percebi em mim. Em pouco tempo não dava mais para ver nada, apenas sentir. A caminhonete chacoalhava, Bernardo não me deixava escapar de seu ritmo, eu nem pensava em Tom, na outra ou na desculpa que daria a meu pai. Só escorregava... para cima, para baixo.... Aconteceu. Na escuridão do estacionamento, com um pouco de contorcionismo e alto teor alcoólico nas veias.


Manhã. Manhã?! Acordei na cama estranha sem saber exatamente como tinha ido parar ali... A última lembrança era de estar no carro batendo o joelho no câmbio, jogando os cabelos na cara dele, sentindo-me tonta e totalmente preenchida... Bernardo! Era na cama dele que eu estava! Ele dormia de barriga para baixo, os braços estendidos, tranquilo e indefeso. Não foi o que eu procurei desde o início? Dormir com o cara da vizinha, aquele que a fazia gemer do outro lado? Mas a dor de cabeça, a ressaca e a maldita culpa não me deixavam aproveitar o momento, apesar de me considerar livre. Ou nem tanto. Tom... Tom... martelava dentro de mim.


Juntei a roupa do chão, me vesti e procurei a porta, achei que ia sufocar se ficasse mais um minuto. Sem querer fiz o mesmo que ele. Saí sem me despedir.