sexta-feira, 21 de maio de 2010

Acerto de contas

Ele chegou com um “Oi, tudo bem?” e foi entrando, como se nunca tivesse ido embora. Não esperava vê-lo tão cedo. Pelo menos não nos próximos cinquenta anos. Fim de relação. Ponto.

- Vim pegar resto das coisas. Espero não estar atrapalhando nada.

Uns livros velhos e outras tralhas sem importância. Grande coisa!

- Tô fazendo um macarrão. Quer?

- Não, obrigado.

- Ainda não separei direito tuas coisas. Não quer voltar amanhã?

Seu namorado em potencial poderia chegar a qualquer momento e um encontro com o ex não era algo que pudesse contornar sem constrangimento. Mais tarde, quem sabe, para provocar uma cena de ciúmes.

- Prefiro que seja hoje. Tem problema? Não quero demorar, tem alguém me esperando lá embaixo.

Isso não passava de pretexto para avisá-la de que havia outra pessoa. Atingi-la, quem sabe. Bendita curiosidade feminina que a fazia fantasiar uma deusa e torcia para que fosse o contrário. Maldita inveja feminina que temia ser a outra uma mulher mais desejável, mais bela, mais...

- Tudo bem, então.

- Esperando alguém?

- Não, ninguém.

E por que não a vingança? Por que não dizer que Eduardo estava quase chegando do supermercado, cheio de compras e de amor para dar? Ah, aquela velha história do revide. Ele é melhor do que você, meu bem.

- Encontrei seu irmão esses dias. Ele comentou sobre um jornalista gaúcho – olhou-a esperando uma afirmação.

Mas que fofoqueiro!

- Ah, o Eduardo... - pausa necessária para criar suspense e valorizar a informação. - É só um amigo com quem saio às vezes.

Um amigo com quem fazia sexo segundas, quartas e sextas e dividia seu macarrão instantâneo depois. E que não reclamava do gosto, nem de uma coisa nem de outra.

- Desculpa, acho que não é mais da minha conta. Os livros ainda estão no mesmo canto?

Livros, livros. Só livros o tempo todo. O que mais se podia esperar de um professor de filosofia? Livros empoeirados, amarelados, caindo aos pedaços, que ele não largava de jeito nenhum. Passara cinco anos implicando com esses livros, jogara alguns fora numa operação de limpeza da qual ele nunca desconfiara. Essa pequena vingança infantil dava-lhe vontade de rir agora.

- Estão. Não mexi em nada.

Por muito pouco não havia jogado tudo fora.

- Vou vender alguns. Onde estou morando não cabe a metade.

“Vender alguns”? A coisa estava realmente ficando séria. Em outros tempos, não tão remotos assim, os livros eram sua vida, sua companhia antes de dormir.

- O quarto está uma bagunça. Nem tive tempo de fazer a cama.

A cama desfeita, os lençóis amarrotados, amontoados. Acordara com Eduardo e tudo ficara daquele jeito. Poderia ser um convite, mas não era.

- Continua tudo igual. Sabe que às vezes eu sinto falta daqui?

Seria o cúmulo agora ele relembrar as últimas cenas de sexo à beira da cama. As investidas noturnas dele. Não perdeu a chance de ser irônica:

- Falta do quê? Do vazamento no banheiro? Ou da janela quebrada?

- Das coisas que a gente fazia.

Aquilo era um olhar malicioso? E aquele tom de voz?

- Jamais vou esquecer que você disse que não dávamos certo. E todas as outras baboseiras que eu tive que ouvir.

- Eu quis dizer fora da cama. Ah, esquece! Com você não dá para conversar mesmo.

- Ah, não, agora fala.

- Eu não ia dizer nada, eu não queria, mas já que VOCÊ TOCOU NO ASSUNTO... você é implicante e não suporta ver alguém se divertir sem você.

- E você é egoísta e... velhaco! Ainda não pagou o jantar de aniversário da tua mãe que eu banquei sozinha.

- Ah, é baixaria?

- Foi você quem pediu.

- Eu sempre te achei morna na cama. Sexo com você era uma obrigação.

- Pois você, meu bem, nunca me fez gozar. Eu fingia o tempo todo. Gemia de tédio, cansada de tentar te ensinar como me tocar.

- Ahhh... sua filha da...!

- Agora é assim? – sentiu a excitação conhecida. – Eu te odeio!

- Então mostra. Vai, mostra que eu quero ver. Estou esperando.

Imaginou-se abrindo o zíper dele. E repetindo as antigas cenas, que nada tinham de fingimento ou tédio.

- O Eduardo vem aí – falou sem muita convicção.

Abriu o zíper. Era quase tarde demais.

- A Cíntia está me esperando no carro – ele conseguiu balbuciar antes de tirar a camiseta dela.

Os corpos seminus, tão próximos. Era tarde demais.

- Será que eles...?

Era tarde.

5 comentários:

Marco Henrique Strauss disse...

hahahahahaha! Muito bom. Gostei. Puta falta de tempo.

marcostrauss.blogspot.com/

Ana B. disse...

ódio é afrodisíaco

uahahaha

Luna Sanchez disse...

Remake...hummmmmm

Sou chata, não gosto de cheiro de comida requentada. Ui!

* Mas adorei o post, as possibilidades reais de diálogos (e sexo, claro) assim.

Beijocas, moça, e um ótimo fds pra ti. ^^

ℓυηα

Mariah disse...

onde um dia houve fogo
a brasa nunca esfria completamente.
adoro historias de reencontro.

Alline disse...

Marco:
Deveriam dizer - "Já que a gente não tá fazendo nada mesmo..."
huahauuaha

Ana:
Dizem que é parente próximo do amor, não? Uh-la-lá! rs

Luna:
Eu até já tentei esquentar no micro-ondas pra ver se ficava melhor, mas não adiantou. O gosto não é o mesmo. Nunca mais será.
Beijo y beijo, e que o fim de semana seja bem gostoso aí pra ti =D

Mariah:
Teimo em não acreditar nessas históris, mas volta e meia escrevo sobre isso... agora que você falou me dei conta... rs