segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

calçada

Em dias de calor como este, quero botar os pés no chão, deixar a marca suada no piso e me sentir livre de chinelos e cia. Quero, mas não me atrevo, fico cheia de frescurites. Ai, e se estiver sujo? Lembro daqueles tempos de guria, lá pelos 10 anos, quando brincava na rua com meus dois irmãos de pé descalço. Não tinha tempo ruim. Era o pé no barro seco, na poeira da rua; no barro molhado de chuva, a lama entre os dedos, gelada. Quem disse que eu me preocupava com micróbios, bactérias, sujeirinhas bobas do dia-a-dia? Nada! Eu só queria correr pelas ruas, pra cima e pra baixo até cansar. Eu era mais livre, sim, e com os pés bem fincados no chão.

Falo porque achei entre meus papéis uma coisa linda do Peter Handke. Não sou egoísta, vou dividir:


Quando eu era criança
Ela caminhava com os braços balançando
Ela queria que o riacho fosse um rio,
O rio uma torrente
E dessa poça d'água, o mar.

Quando a criança era criança,
Ela não sabia que era criança.
Tudo era inspirado nela,
E todas as almas eram uma só.
Quando a criança era criança,
Ela não tinha opinião sobre nada,
Não tinha nenhum hábito
Ela se sentava de pernas cruzadas,
Saía correndo de repente.
Tinha um redemoinho no cabelo
E não fazia caras quando ia tirar fotografias.

Quando a criança era criança,
Era a época dessas perguntas:
Por que eu sou EU
E não Você?
Por que eu estou aqui e
por que não lá?
Quando começou o tempo
E onde termina o espaço?
A vida sob o sol não é apenas um sonho?
Não seria tudo que eu posso ver, ouvir e cheirar
Apenas a aparência de um mundo anterior a este mundo?
Existem mesmo o Mal
E pessoas que são realmente más?
Como é que eu, o Eu que eu sou,
Antes que eu viesse a ser, não era?
E como é que um dia eu,
o Eu que eu sou, não mais serei
o eu que Eu sou?

2 comentários:

Ricardo Rayol disse...

Uma das melhores coisas do mundo é cavocar a memória.

Alline disse...

Concordo. Um grande barato é ler diários velhos e fotografias. E cavocando se chega a momentos felizes.