Marina morava com a tia desde os nove anos na casa de varanda espaçosa e roseiras cercadas de mato que costumava visitar uma vez por ano. O bairro era dos mais tranquilos, para não dizer entediantes, e ela aparentemente convivia bem com as manias de mulher sozinha de Zuleica. Os pais haviam deixado a menina sob os cuidados dela, prometendo que viriam buscá-la quando voltassem de viagem. Passados dez anos ela já não corria para a rua ao ouvir o som diferente de um carro. Não tinha mais esperança.
Aos poucos, não sem alguns tropeços, foi aprendendo a driblar o olhar perscrutador de tia Zuleica, que a seguia por todos os cantos da casa. Tinha a desculpa de inventar sempre uma prova para o dia seguinte e se fechar no quarto dos fundos. A escrivaninha servia para obstruir a passagem e os cadernos empilhados tornavam a mentira mais real.
Gostava de se examinar no que sobrara do espelho atrás da porta. Os vestidos que a tia mandava fazer na costureira do fim da rua iam para o chão, amontoados, esquecidos. Encarava o corpo franzino e imaginava que nunca seria mais bonito ou vistoso. Nenhum menino olhava para ele, a não ser o filho da costureira, que já nem era mais um menino. E ele olhava de um jeito que a fazia sentir aquecida por dentro.
Mas o fato é que tia Zuleica estava envelhecendo, o portão continuava a ranger e as pessoas tentavam espiar do muro o que acontecia na casa azul, o que causava profunda irritação em tia Zuleica. Ela capengava pela casa até cansar e gritava por Marina, que vinha correndo do quarto, ajeitando a saia com uma das mãos e com a outra segurava o cálice de licor de anis para a tia. Fechava rapidamente as cortinas para que a velha não notasse seu rubor.
Naquele dia, enquanto Marina esfregava o chão da cozinha, tia Zuleica tratou de se acomodar no sofá da sala para tomar a canja rala, quase sem sal, babando um pouco na camisola e foi para a cama resmungando da falta de gosto na comida e na vida. Assim Marina aproveitou o tempo para dançar na frente do espelho sem música, sem fazer barulho, encarando sua imagem pouco nítida. Pensando, sorrindo.
A vizinhança estranhamente se deliciou quando uma viatura estacionou na frente da casa e dois policiais levaram Marina embora pelos braços na manhã seguinte. Algemada. O portão rangeu só mais aquela vez. Depois foi só o falatório no portão das casas.
Ninguém soube direito que fim levou Zuleica. Só Lucimar, vizinha de muitos anos, sabia o segredo. Por acaso, vira Marina arrastando um baú enorme em direção ao terreno baldio, bem do lado da casa do seu Maneca na noite anterior. Ela passara a noite cavando, o que sem dúvida era muito estranho. Não tinha nada a ver com a vida das duas ou com a perversidade de Marina, mas ainda assim resolveu fazer uma denúncia anônima à polícia. Queria Marina longe dali, afinal não gostava do jeito que a outra olhava para seu filho.
Aos poucos, não sem alguns tropeços, foi aprendendo a driblar o olhar perscrutador de tia Zuleica, que a seguia por todos os cantos da casa. Tinha a desculpa de inventar sempre uma prova para o dia seguinte e se fechar no quarto dos fundos. A escrivaninha servia para obstruir a passagem e os cadernos empilhados tornavam a mentira mais real.
Gostava de se examinar no que sobrara do espelho atrás da porta. Os vestidos que a tia mandava fazer na costureira do fim da rua iam para o chão, amontoados, esquecidos. Encarava o corpo franzino e imaginava que nunca seria mais bonito ou vistoso. Nenhum menino olhava para ele, a não ser o filho da costureira, que já nem era mais um menino. E ele olhava de um jeito que a fazia sentir aquecida por dentro.
Mas o fato é que tia Zuleica estava envelhecendo, o portão continuava a ranger e as pessoas tentavam espiar do muro o que acontecia na casa azul, o que causava profunda irritação em tia Zuleica. Ela capengava pela casa até cansar e gritava por Marina, que vinha correndo do quarto, ajeitando a saia com uma das mãos e com a outra segurava o cálice de licor de anis para a tia. Fechava rapidamente as cortinas para que a velha não notasse seu rubor.
Naquele dia, enquanto Marina esfregava o chão da cozinha, tia Zuleica tratou de se acomodar no sofá da sala para tomar a canja rala, quase sem sal, babando um pouco na camisola e foi para a cama resmungando da falta de gosto na comida e na vida. Assim Marina aproveitou o tempo para dançar na frente do espelho sem música, sem fazer barulho, encarando sua imagem pouco nítida. Pensando, sorrindo.
A vizinhança estranhamente se deliciou quando uma viatura estacionou na frente da casa e dois policiais levaram Marina embora pelos braços na manhã seguinte. Algemada. O portão rangeu só mais aquela vez. Depois foi só o falatório no portão das casas.
Ninguém soube direito que fim levou Zuleica. Só Lucimar, vizinha de muitos anos, sabia o segredo. Por acaso, vira Marina arrastando um baú enorme em direção ao terreno baldio, bem do lado da casa do seu Maneca na noite anterior. Ela passara a noite cavando, o que sem dúvida era muito estranho. Não tinha nada a ver com a vida das duas ou com a perversidade de Marina, mas ainda assim resolveu fazer uma denúncia anônima à polícia. Queria Marina longe dali, afinal não gostava do jeito que a outra olhava para seu filho.
7 comentários:
É isso aí.
Tomem cuidado com aquelas pessoas quietas. Que não falam muito...
rsrs
Queria comprar um livro teu de contos! São muito imaginativos e melhor ainda escritos!!!!
Teu
J
Ops, isso não é pra mim, né? =P
Ahhh, já sei pra quem é... rsrs
Eu que quero ver/ler/pegar a HQ de certa pessoa... louca pra que fique pronta!!!!
Beeeeeeeeeeeeeeeeeeijo!!!!!!
Me lembrou, apesar de não ter muito a ver, Nelson Rodrigues. Gostei muito.
beijo
Obs.: Ó, te citei lá no Baú
Muito, muito bom, Alline. O que não novidade nenhuma. Estou na fila de autógrafos do livro.
Dai, esse texto originalmente é de 95, só dei uma revisada de última hora antes de postar.
Depois da tua citação, o que é que eu posso dizer? Ahhh, eu tô toda boba, isso sim!
Beeeeijo
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Raphael, pode deixar que estás na lista de convidados. ;)
Muito bom, como sempre. Merecedora dos elogios; escreve muito bem e tuas narrativas me fazem ir até o lugar da história.
O melhor de tudo é que é tão 'janela'. Dá pra ver tudo!
Acho que já disse isso... mas você me faz ter vergonha de pegar o lápis para escrever rsrsrsrs
É muita perseverença continuar tentando...
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