Apenas um detalhe
A família reunida na sala diante da televisão. O pai, emburrado porque acabou de ver o time perder na decisão do campeonato brasileiro, rói as unhas e acompanha com os olhos o vôo de um mosquito ao redor da antena. Detesta novela, mas já que é o último capítulo, o incômodo de ver a mulher de posse do controle remoto não é tão grande. A filha aguarda ansiosamente os próximos comerciais.
- Mãe, pai, eu tenho uma coisa pra dizer.
O pai, como quem nada ouviu, avisa:
- Vou pegar uma cerveja.
- Vê se não suja nada que eu já limpei a cozinha – dá uma olhada para o marido, que sai da sala arrastando os chinelos. – Quer ver como ele vai deixar louça suja na pia? Só espera. Esse homem não tem mais jeito. Humberto!
Estão as duas na sala. É agora ou nunca. A filha chega mais perto. A mãe não desgruda os olhos da TV.
- O Carlos vem aqui hoje.
- Isso lá é hora de visita, menina?
- Ele quer falar com vocês.
- Tem que ser hoje que eu estou vendo minha novelinha pela última vez?
- Tem que ser logo, mãe.
- O Humberto deve estar dando conta do queijo que eu comprei hoje. Anda, Humberto!
O pai volta lambendo os dedos. Cerveja na mão, afunda com prazer no buraco deixado na poltrona.
- Encheu a pança, foi? Depois vem reclamar que tá barrigudo. Qual é o babado, afinal? – dirige-se à filha.
- Eu e o Carlos resolvemos nos casar.
A mulher se pisca toda. Ainda vai acabar perdendo o melhor da novela: descobriram que a boa moça enganou a todos e fugiu com o traficante bonitão e o dinheiro que a família levou anos para juntar dando duro na padaria.
- Como?! – pergunta, sem desviar totalmente a atenção.
O pai quase se afoga. Lá vem o maldito mosquito encher o saco. Dá um tapa no ar sem muito sucesso. O mosquito continua rondando. Irritado, finalmente se mete na conversa:
- Vocês não acabaram a faculdade ainda, e que e eu saiba esse rapaz não tem emprego. Vocês vão viver de quê? A família dele já sabe?
A mulher interrompe, satisfeita, para comentar a novela:
- Eu sabia que esses dois iam conseguir escapar!
O pai, preocupado, caça o mosquito.
- Pra quando vai ser?
- Domingo. Foi o único dia disponível na igreja. Senão só daqui a dois meses.
E daí a mulher cai na real:
- Mas é depois de amanhã!!!
- Consegui, matei o filho da puta! – grita o pai, eufórico por ter liquidado o mosquito.
- Não dá. Tá muito em cima.
Pai e mãe ao mesmo tempo:
- Por quê?!
- Eu tô no último mês.
Boquiabertos, os dois notam a barriga avantajada da filha. Olham para a televisão em busca de resposta, e se dão conta de que a novela acabou.